Não podem restar dúvidas quanto ao revigoramento das discussôes teóricas em Relaçoes Internacionais, sobretudo ñas últimas décadas . A bem da justiça, näo se afirma que a academia houvesse relegado o campo teórico das Relaçoes Internacionais a urna posiçào de reduzida relevancia, contudo, é razoável supor que as diversas tradiçôes teóricas careciam de um debate real.
A eterna caracterizaçâo das relaçoes internacionais como um diálogo meliano perpetuo, isto é, um confuto entre poder e moralidade, entre força e justiça, näo condiz à respeitável e diversificada produçâo teòrica . As tradiçôes realista e liberalista beneficiaram-se imensamente desse state of affairs, souberam tirar proveito para se fortalecerem na qualidade de perspectivas predominantes (a realista mais do que a liberalista), mesmo que disf arcando seu dominio, sugerindo que houvesse um debate com a corrente rival. Quero dizer que, embora seja aceito que majoritariamente os académicos se identificassem com um ou outro protagonista do chamado primeiro debate, tal quadro näo pode ser retratado às expensas das demais abordagens que surgiram ao longo do século XX, ainda mais ñas décadas fináis. Do contrario, trata-se de um desserviço ao estudo da evoluçao teórica das Relaçôes Internacionais.
Grosso modo, a chegada de novas correntes teóricas submete-se a urna lógica. Trata-se de inovaçôes que atingem outros campos de estudo ditos das ciencias sociais antes de alcançarem os dominios das Relaçôes Internacionais. Essa observaçào se baseia na histórica tendencia de os académicos manterem a disciplina herméticamente fechada e rejeitarem questionamentos acerca dos postulados epistemológicos e ontológicos fundamentáis das Relaçôes Internacionais. Identificamos nitidamente essa tendencia no caso do pós-modernismo e do pós-estruturalismo, assim como na teoria crítica, abordagem ora em voga.
Näo pretendo aquí me aprofundar na apresentaçào do advento de correntes novas antes do inicio dos anos 1980. Esse momento sinaliza o inicio de um processo de redescoberta das questôes metateóricas. Lembramos que, por metateoria, fazemos alusäo aos aspectos ontológicos e epistemológicos na produçâo de conhecimento. Esse alerta se deu, em grande parte, pela chegada da teoria crítica às Relaçôes Internacionais. Nisso, nao há como menosprezar a influencia de Robert Cox.
Neste artigo, opto por iniciar examinando os pressupostos históricos da teoria crítica, notadamente o pensamento político e social da chamada Escola de Frankfurt, particularmente o traballio de Max Horkheimer (1990). Desejo explicitar a estreita relaçâo entre os frankf úrdanos em sua busca pela emancipaçào, e a noçào de limite sobre as possibilidades de realizaçào dos ideáis modernistas, e a conséquente distinçâo entre duas modalidades de teoria: a tradicional e a crítica.
Em seguida, apresento a teoria crítica em Relaçoes Internacionais per se examinando a contribuiçào de Robert Cox ( 1 995b) . Em um artigo que se tornou um marco para a teoria das Relaçoes Internacionais , Cox em um so tempo inaugura urna nova época nesse estudo, sobretodo com a incorporacäo da reflexäo sobre a influencia do poder e dos intéresses na produçào intelectual, além de apresentar sua perspectiva teórica particular, fortemente inspirada no pensamento político de Antonio Gramsci - o materialismo histórico. A questäo da transformaçao das realidades social e sobretudo política se apresenta como urna preocupaçào central da teoria crítica coxiana, bem como de seus seguidores.
A terceira seçào deste traballio se ocupa da apresentacäo da teoria crítica internacional. Essa vertente teòrica contemporànea é precipuamente associada à retomada da discussäo sobre a busca da emancipaçao. O nome central é o de Jürgen Habermas. Embora tenha acabado de chegar aos temas e à agenda internacional, em que a figura central tern sido a de Andrew Linklater, esse debate é cada vez mais influente na produçào de muitos académicos.
A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt
A teoria crítica ñas ciencias sociais tem urna extensa tradiçào intelectual, representando, no principio, urna variaçào do pensamento marxista do inicio dos anos 1920, particularmente vinculada à Escola de Frankfurt. O termo teoría crítica foi usado pela primeira vez em 1937 em um artigo de Max Horkheimer. Entre outros nomes ligados a essa corrente estäo os de Theodore Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin. Em comum, entre outras coisas, todos eles possuiam urna mesma origem comum no pensamento marxista.
Seguramente, podemos afirmar que a preocupaçào central da teoria crítica é a emancipaçâo. Esses teóricos despertaram para o fato de que as expectativas geradas em torno da expansäo da experiencia socialista russa, sobretudo para o ocidente, nao se concretizavam. Os temores do mundo ocidental eram de que a revoluçào ocorrida em outubro de 1917 se alastrasse para outros cantos, o que acabou nao ocorrendo. Pelo contrario, no ocidente nao havia sinais de que os partidos comunistas e socialistas estivessem próximos de chegar ao poder, pelas vías democráticas ou näo.
Concentrando a atençào no traballio de Max Horkheimer (1990), pode-se dizer que, afora ser talvez a figura mais influente da Escola de Frankfurt, terá grande influencia sobre as proposiçôes epistemológicas de Cox.
Para os propósitos deste traballio, examinaremos urna das idéias principáis de sua obra: a dialética do esclarecimento. Horkheimer chamava atençào para o papel da racionalidade restritiva no desenvolvimento da civilizaçào ocidental, no desencantamento do mundo. Findada a era das explicaçôes metafísicas, a racionalidade tornava seu lugar como criterio único e absoluto para a validaçào do conhecimento humano. Acreditava-se no caráter emancipatório desse novo modo de conhecer. A racionalidade instrumental da ciencia moderna distanciou-se da busca pela emancipaçâo, passando a prezar a subjugaçào da natureza pelo hörnern: conhecer para prever, prever para controlar. Essa contradiçào precisava ser esclarecida. A busca pelas regularidades do mundo real pouco serviu aos propósitos libertarios que a racionalidade moderna advogava. Pelo contrario, o dominio da ciencia serviu, por meio do desenvolvimento da técnica, para o dominio do meio ambiente. Qual seria a implicaçào para o mundo social?
Horkheimer, apropri adámente, identificou um equívoco fundamental aquí. As chamadas ciencias sociais näo poderiam seguir os mesmos pressupostos epistemológicos das ciencias naturais, as que sempre serviram de modelo para as demais, por urna razäo muito simples: o mundo social distingue-se do mundo natural em diversos aspectos. Cuentistas sociais näo poderiam ser como seus colegas naturais, no sentido de se consideraren! desinteressados e independentes da sua materia de estudo porque fazem parte da sociedade que estudam. Repetir os mesmos postulados epistemológicos das ciencias naturais impunha pesados custos sobre as ciencias sociais.
A conclusäo decorrente disso é a constatacäo da influencia que interesses impöem sobre a produçào de conhecimento. Afinal, a aplicacao indiscriminada de metodologías das ciencias naturais, com suas posiçôes epistemológicas subjacentes, tendía à reproducäo da ordern existente. Isso é problemático, porque, ao invés de avançar a emancipaçào, no mundo moderno, constava-se a subjugaçào da natureza e a dominaçào do hörnern pelo proprio hörnern. É nesse contexto que Horkheimer propôe urna ruptura epistemológica.
É ai que surge a diferenciaçào entre a teoria tradicional e a teoria "crítica": a primeira enxerga o mundo como um conjunto de fatos que aguardam ser descobertos pelo uso da ciencia - positivismo. Horkheimer defendía que teóricos tradicionais estavam equivocados ao propor que o "fato" a ser descoberto pudesse ser percebido independentemente da estrutura social em que a percepçào ocorria. Mas a situaçào era mais grave, j á que a teoría tradicional estimulava o aumento da manipulaçào de vidas humanas. Eia via o mundo social como urna área para controle e dominaçào, como a natureza, e, portanto, indiferente as possibilidades da emancipaçào humana.
Horkheimer propunha a adoçào da teoría crítica. Esta nao enxerga fatos da mesma forma que a teoria tradicional. Para teóricos críticos, fatos sao produtos de estruturas sociais e históricas específicas. A percepçào de que teorías estäo fixadas nessas estruturas permite que os teóricos críticos reflitam sobre os intéresses atendidos por urna teoría particular. O objetivo explícito da teoria crítica é promover a emancipaçào humana, o que significa que a teoria é abertamente normativa, assumindoumafunçào até no debate político. Nisso, diverge radicalmente da teoria tradicional ou positivista, na quai a teoria deve servir à neutralidade e se preocupar somente com a descoberta de fates preexistentes e de regularidades em um mundo independente e externo.
Em urna contribuicäo significativa ao pensamento das ciencias sociais, Horkheimer defendía que haveria urna ligaçào entre conhecimento e poder. Para ele, dessa relaçào decorna o fato de que as mais importantes forças para a transformaçâo eram forças sociais, e näo a explicaçao de urna "logica independente" a ser revelada. Enquanto o conhecimento estivesse associado ao Estado , tendería a reificar as relaçoes de poder existentes, sendo que qualquer alteraçâo se submeteria aos intéresses estatais. Desta forma, os dentistas comporiam urna força social cujo dever principal näo poderia deixar de ser a transformaçâo da realidade social de forma a expandir a emancipacao humana.
A principal crítica que essa linha de raciocinio recebeu veio dos racionalistas, e se fundamenta sobre a acusaçào de que o conhecimento científico há que ser imparcial, neutro, nao-normativo e puro. Para eles, Horkheimer estava politizando, ideologizando a produçào de ciencia. Defensores do racionalismo como Popper ( 1 958) e Lakatos ( 1 97 8) argumentarían! que a ciencia se desenvolve seguindo criterios racionáis.
Percebemos, portante, que divergencias ontológicas se encontramna base da discussäo. Respostas distintas as indagaçôes do tipo "o que e como é a realidade social?", "as realidades natural e social divergem fondamentalmente, a ponto de significaren! modos igualmente distintos de conhecê-las?" e "o conhecimento é puro, imparcial e neutro?" trazem implicaçôes essenciais à maneira como se percebe o conhecimento. Tais dúvidas näo se resolvem de urna forma intrínseca à racionalidade. Elas pressupöem um certo grau de subjetividade explicitado pelos postulados metateóricos do teórico/analista.
Desafíos Epistemológicos da Teoria Crítica em Relaçoes Internacionais
O pensamento frankfurtiano imprimiu um impacto profundo sobre a produçâo científica ñas ciencias sociais já ñas primeiras décadas do século XX. Contudo, as discussöes epistemológicas que vieram à tona há muito se mantiveram além das fronteiras das Relaçoes Internacionais. Desde sua gênese , as controversias que nutriam o desenvolvimento desse campo de estudo eram assaz estreitas, se vistas a partir das questôes a serem levantadas pela teoría crítica. O primeiro debate (realismo político versus idealismo) foi protagonizado por correntes que talvez tivessem muito mais semelhanças do que diferenças no que se refere aos fundamentos epistemológicos. O chamado segundo debate (tradicionalistas versus comportamentalistas/cientificistas), embora também conhecido como um debate metodológico, só fez sentido por apartar metodologías que também traziam similitudes epistemológicas. Por firn, o terceiro debate é ele pròprio motivo de debate: para uns, divide neo-realistas e neoliberais; para outros, neo-realistas e globalistas; para outros aínda, epistemologías positivistas e pós-positivistas. Portante, nao seria exagero afirmar que um verdadeiro debate metateórico se inicia com a teoría crítica.
Preliminarmente, convém examinar o ponto de partida de Robert Cox (1995 a). Näo há teoria propriamente dita dissociada de um contexto histórico concreto. A teoría é a maneira como a mente funciona para compreender a realidade confrontada. É a autoconsciência da mente, a consciência de como a experiencia dos fatos é percebida e organizada para ser compreendida. Além disso, a teoría também precede a construçào da realidade no sentido de que eia orienta a mente daqueles que, por meio de suas açôes, reproduzem ou transf ormarti a realidade.
Para apresentar os desafios da teoria crítica, explorei seus quatro alicerces básicos, a saber: a relaçào entre o sujeito cognitivo e o seu objeto de estudo; a influencia de intéresses e valores sobre a teoria; a mutabilidade da realidade social; e os modos de teoria que surgem. Em seguida, examinarei com maior detalhamento esses alicerces.
A relaçào tradicional do dentista político com seu objeto de estudo é de distanciamento para possibilitar a "descoberta" de leis universais. Esse é um postulado da ciencia moderna, aplicável aos demais campos de estudo. Imagina-se urna postura análoga à do cienüsta natural que analisa seu objeto de estudo por meio de um microscopio. Nada exemplifica melhor o distanciamento. O dentista nao acredita que faz parte de seu objeto, muito menos que pode nele interferir de alguma maneira. Sua funçào se resume a encontrar regularidades que lèvent à possibilidade de previsäo.
Contudo, essa postura é inadequada para as chamadas ciencias sociais, por um motivo basilar: o dentista é ele proprio parte de seu objeto de estudo. Lembremos que essa característica já fora identificada pela Escola de Frankfurt. Em vez de reproduzir também suas conseqiiêndas epistemológicas, nesse particular, chamo atençào para a importancia que Cox (idem) atribuí às ontologias.
A ontologia precede a investigaçào. Antes de iniciar a tarefa de tentar tornar o mundo que nos cerca mais inteligível, as ontologias já estäo presentes, já se fazem evidentes na maneira como enxergamos o que está em nossa volta. Para definir um problema, e esse é o ponto de partida da investigaçào científica, da pesquisa, urge conhecer e reconhecer as entidades envolvidas, bem como as relaçôes entre elas. Teorías sao construidas sobre tais premissas. Os termos que usamos para identificar as entidades e as relaçôes têm significados ontológicos. Estes significados nao sao resultado de descobertas ou revelaçôes, ou seja, pressupôem a açào do pesquisador. A ontologia central do campo de estudo das Relaçoes Internacionais tem sido o Estado. Contudo, näo se pode assegurar que o mesmo conceito signifique coisas idénticas para teóricos distintos. Chama atençao, nesse sentido, a maneira divergente com que Platäo e Hobbes conceituam a comunidade política (Cox, 2000).
A teoria segue a realidade, mas também a precede e a modela. Existe um mundo histórico real em que as coisas acontecem. A teoria é f eita pelareflexäo sobre o que nele aconteceu. Contudo, a separaçào entre teoria e eventos históricos reflete urna certa maneira de pensar, porque a teoria alimenta também a historia, em virtude da forma como aqueles que fazem a historia (individuos e coleüvidades) pensam sobre o que fazem, e däo significados as suas açôes.
Dessa forma, os limites da açào individual e/ou coletiva sao produtos da teoria (e ditados pelos eventos históricos). Existe, portanto, urna teoria dos livros (académica) e urna teoria da vida (sentido comum). A experiencia histórica produz a ontologia das pessoas e incorpora-se ao mundo que estas constroem. E assim, portanto, que o entendimento que temos do Estado, desprovido de existencia física, apesar de produzir conseqüéncias reais e físicas, explica-se. As ontologias, por sua vez, sao estruturas implícitas (subjacentes) de pensamento e pràtica.
Elas se tornam problemáticas quando novos problemas que näo podem explicar ou resolver certezas ontológicas däo lugar ao ceücismo. Näo se procura a construcäo de um conhecimento universal e absoluto, mas a criaçao de urna nova perspectiva adequada ao momento atual, isto é, novas ontologias.
Por conseguinte, estabelecemos que, de certa maneira, há um aspecto de eleiçao subjetiva na maneira como assimilamos o meio em que estamos inseridos. Isso é expresso pelo dominio das ontologias. Por ontologia, entendemos desde a discussäo dos conceitos, isto é, o conceito que usamos para designar urna determinada idéia, passando pelos diversos entendimentos que um conceito pode expressar, até chegarmos à questäo mais abrangente que entenderá que nossa(s) ontologia(s) é (sao) também a representacäo de nossa visäo de mundo. Cox (1995 a) afortunadamente aponía a importancia que a historicidade exerce sobre essa(s).
Outra característica definidora do campo de estudo das Relaçoes Internacionais, para Devetak (1995), tem sido a omissäo de consideraçoes acerca da relaçào entre conhecimento e valores. Esta relaçâo somente atraiu atençào por advertir contra os perigos que se apresentam quando valores influenciam a pesquisa. O estado do conhecimento, a justificaçào de reivindicaçôes da verdade - truth claims -, a metodologia aplicada, o escopo e o alcance da pesquisa eram questôes fundamentáis que as Relaçoes Internacionais ignoravam, em seu proprio detrimento (idem).
A teoría é obligatoriamente condicionada pela influencia social, cultural e ideológica, e cabe à teoria crítica a tarefa de revelar os efeitos desse condicionamento. Busca, também, trazer à consciência perspectivas latentes, interesses ou valores que dào origem a, ou orientam qualquer teoría. O conhecimento que a teoría crítica persegue näo é neutro; é política e eticamente carregado por um interesse na transformaçâo social e política. Hoffman (apud Devetak, 1995) entende que näo é meramente urna expressäo das realidades concretas da situaçào histórica, mas também urna força transformadora dessas condiçôes (Devetak, 1995:151).
É claro que a teoría crítica incorporará nitidamente a dimensäo da influencia dos intéresses na produçào teórica. Contudo, o mesmo taivez näo proceda na discussäo da açào dos valores. A bem da verdade, teóricos críticos têm sido frequentemente acusados por teóricos normativos de se absterem das discussöes normativas substantivas. A acusaçâo fundamenta-se no fato de a teoría crítica defender urna "ordem alternativa", presumivelmente "melhor"; concomitantemente, näo indica com clareza o que constituí urna ordern "boa", em se tratando da dimensäo ética. Em que medida a ordern que se busca supera a ordern atual? Para a teoria normativa, somente o aprofundamento das discussöes sobre a ética e a moral ñas relaçoes internacionais poderia oferecer algum tipo de resposta a tais indagaçôes. Nisso, os teóricos normativos aparentam ter razôes ao assinalar o curioso silencio da teoria crítica a esse respeito.
O enfoque da teoría crítica, além de ser seu interesse manifesto, é a transformaçào da ordern internacional, no que se refere à realidade política, econòmica e social. Mais do que isso, para a teoria crítica qualquer perspectiva que parta da premissa de que existam aspectos de tal realidade que sejam permanentes ou imutáveis é falaciosa. Para sustentar essa censura, Cox (1995a) aponía para um equívoco basilar da tradiçao realista: a suposiçào de que o Estado é sempre um Estado. Dito de outra maneira, realistas tendem a näo problematizar o objeto básico do estudo tradicional das Relaçoes Internacionais. Ao contrario, sugerem que as cidades-Estados helénicas da Antigüidade Clàssica (Tucídides, 2002) têm muito em comum com as cidades-Estados da península itálica na Idade Média (Maquiavel, 1982), que, por sua vez, nao apresentam maiores disparidades se comparadas aos Estados-naçào do inicio da era moderna (Tratados de Paz de Westfália, 1648), os quais näo teriam sofrido mudanças fundamentáis até os días de hoje. Será mesmo que näo haveria dessemelhanças entre essas formas de comunidades políticas distanciadas por milhares de anos? Ontologicamente, o conceito de Estado näo significa a mesma coisa para os contextos citados.
O pensamento realista procura regularidades no sistema internacional, que lhe permitam prever como as entidades políticas se comportalo. Para isso, interpreta realidades distintas, buscando apontar características que sugerem continuidades. Mas será mesmo que a composiçao e interaçao das idéias, a organizaçao material e as instituiçoes que constituían! as comunidades políticas permitem que f alemos de um "Estado" que atravessa os tempos e näo respeita as particularidades de cada contexto histórico? É aceitável propor que forças sociais e as ordens mundiais geram somente um tipo de comunidade política?
Há um compromisso normativo intrínseco com a manutencäo da ordern, e com aqueles que se beneficiami delà. Por exemplo, o mecanismo que regula e distribuí poder entre entidades que se motivam pelo mesmo objetivo (conquistar ou aumentar seu poder) é o equilibrio ou balança do poder. O realismo político é urna perspectiva teorica, portanto, que poderá ser identificada com os interesses do Estado hegemônico.
Para a teoria crítica, por conseguinte, a ordern internacional está em constante transformaçào. Essa mutaçào faz com que, por meio da agencia humana, se possa guiar alteraçôes em direçào à emancipaçào. A teoria cumpre, portante, um papel de guia para a açào estratégica, iste é, para a açào transformadora. Muito mais do que um relés instrumento para analisar seu objeto de estudo, a teoria passa a ter urna funçâo nessa açào. Da mesma forma que dentistas näo se devem deixar iludir por um véu de pretensa neutralidade -já que eles próprios compôem seu objeto de estudo, carregam e cultivam valores, interesses particulares -, a ciencia também näo é neutra. Pode haver urna teoria interessada na manutencäo da atual ordern das coisas, como pode haver teorías interessadas em sua transformaçào. Para Cox (1995a; 1995b), essa opçao será o divisor de aguas das teorías, nos termos abaixo.
Em sua forma de distinguir as teorías, Cox (1995 a; 1995b) propôe urna heterogeneidade em tres níveis. Entende que teorías devem ser analisadas com base em très dimensôes que permitem a comparaçao e a conséquente classificaçao dos modos de teoria: a perspectiva, a problemática e o propósito.
A perspectiva seria a localizaçâo espaço-temporal. Em sintonia com a crença de que o contexto social do sujeito influí em suas definiçoes ontológicas, na maneira que elege para interpretar a realidade social, a perspectiva reflete precisamente a extensäo dessa funçâo. Por exemplo, o realismo político é intensamente associado a teóricos estadunidenses (Morgenthau, Deutsch etc.) e británicos (Carr etc.) . A localizaçâo espaço-temporal aponía para urna coincidencia: trata-se de teóricos de nacionalidade de um Estado-naçâo hegemônico em decadencia (Grä-Bretanha, ao menos no momento em que Carr escreve) e de um Estado-hegemônico em ascensäo (Estados Unidos, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial) . O fato de que o realismo político principia seu dominio no período auge de dominio estadunidense nao pode ser relegado ao acaso. A corrente de pensamento realista parece ter urna ligaçào clara com urna forma de interpretar as relaçoes internacionais que reflete e atende aos interesses do Estado hegemônico. De forma semelhante, a aplicaçào do mesmo raciocinio sobre os teóricos dependentistas revela urna característica semelhante: estamos diante, nesse caso, de urna série de pensadores oriundos de Estados periféricos ou semiperiféricos .
"O mundo é visto de urna posiçào definida em termos de naçào ou classe social; de dominaçào ou subordinaçào; de ascensäo ou declinio de poder; de um sentido de imobilidade ou de crise atual; de experiencias passadas e de esperanças e expectativas para o futuro. Urna teoria jamais é a expressäo pura e simples de sua perspectiva. Por outra lado, quanto maior a sua sofisticaçào, mais eia reflete sobre si e transcende sua perspectiva. Por conseguinte, nao existe teoria por si so, divorciada de sua posiçào no tempo e no espaço. Quando urna teoria se apresenta corno tal, faz-se necessario examiná-la como urna ideologia, e tentar revelar sua perspectiva" (Cox, 1995a: 87) .
A critica coxiana nào leva a supor que a busca por urn conhecimento neutro ou imparcial deva inspirar o teòrico. Ao contràrio, afirma que todo conhecimento refletirá particularidades de quem o produz, e das quais o teórico näo pode se julgar imune. A perspectiva deve ser compreendida como o contexto histórico a partir do quai a produçào teórica ocorre. Isso significa examinar de onde emerge o teórico; é o seu ponto de partida fundamental. Sua teoria poderá transcender esse ponto de gênese e adquirir urna percepçâo histórica, ou poderá se limitar a ele.
Cada teoría também abränge urna problemática, ou mais. A problemática ref ere-se às premissas da vida social que cada teoría deseja abranger. Cada teoría também elege dentre os múltiplos aspectos da realidade que compöem seu objeto de estudo, quais seräo foco de sua preocupaçào. Sendo assim, näo é tarefa àrdua identificar a problemática do realismo politico: a questäo da segurança internacional. A teoria da dependencia também apresenta urna problemática claramente distinguível. Trata-se de urna abordagem que busca compreender o motivo que impedia países näo-desenvolvidos de evoluírem em direcäo ao desenvolvimento.
Urna teoria sempre serve a alguém e a algum propòsito. E imprescindivel conhecer o contexto em que é gerada e usada; igualmente imperativo é conhecer se o objetivo do teórico e de quem se utiliza da teoría é manter a ordern social existente ou mudá-la. Esses dois propósitos levam a duas especies de teoria. A teoría de resoluçâo de problemas - problem- solving theory - aceita o mundo como um dado, e aponta para a correçâo de disfunçôes ou problemas específicos que emergem dentro da ordern existente. O objetivo geral da resoluçâo de problemas é fazer com que as relaçôes e instituiçôes prevalecentes de dominaçào social e política funcionem bem por meio do enfoque das origens específicas dos problemas. Como o padräo geral das relaçôes e instituiçôes näo é passível de crítica, problemas específicos säo analisados em relaçâo às áreas especializadas de atividades em que surgem. Portanto, a resoluçâo de problemas representa urna modalidade de teoria que tende a colaborar com a manutençâo das relaçôes e instituiçôes sociais e políticas, ou seja, expressa um intento conservador da ordern social e política. Eia se interessa pelas reformas específicas que têm por firn a manutençâo das estruturas existentes.
A outra especie de teoria, a teoria crítica, dedica-se à forma como a ordern existente surgiu e as suas possibilidades de transformaçâo. Ao contràrio da teoria de resoluçào de problemas, a teoría crítica nao vé as instituiçôes e relaçoes sociais e políticas como um dado, mas as questiona, procurando entender como surgiram e se podem estar em um processo de transformaçâo. Eia é direcionada justamente para o quadro de açâo, ou problemática, que a resoluçào de problemas aceita como seus parámetros. Um dos objetivos centrais à teoria crítica é esclarecer a diversidade de alternativas possíveis. Há um elemento de utopia presente, já que se tenta representar um quadro coerente para urna ordern alternativa, embora a utopia sofia as limitaçôes impostas pela compreensäo dos processos históricos. A teoria crítica deve recusar alternativas improváveis, além de rejeitar a ordern prevalecente. Desta forma, serve de guia para a açâo estratégica por levar à ordern alternativa, enquanto a resoluçào de problemas serve de guia para a açâo tática que, intencionalmente ou nao, mantém a ordern existente. Dito de outra maneira, a teoría crítica interessa-se pela exploraçâo do potencial de mudança estrutural e pela construçâo de estrategias para a transformaçâo.
O Pensamento nieogramsciano ñas Relaçoes Internacionais
Urna das vertentes da teoria crítica mais influentes em Relaçoes Internacionais tem sido o pensamento de Antonio Gramsci, sobretudo na economia política internacional. Lembramos que esse dentista político italiano nao chegou a produzir um tratado teórico integrado: ao contràrio, sua obra capital, Cadernos do Carcere (2000), é urna coletânea de arügos escritos enquanto esteve encarcerado pelo regime de Mussolini ñas décadas iniciáis do século XX.
Nesta seçào, examinarei algumas das idéias centrais do pensamento gramsciano para, em seguida, observar a sua transposiçâo para as relaçôes internacionais. Observa-se, novamente, o fruto do esforço de Robert Cox (1995b), embora outros autores também nos sirvam de referencia (Gill, 1993; 1998; Jardim, 2002).
Gramsci é considerado por muitos o maior teorico neomarxista. Sua preocupaçào fundamental resume-se em compreender as deficiencias nas previsôes que Marx havia feito acerca da expansäo das experiencias revolucionarias socialistas, particularmente nas sociedades capitalistas mais avançadas. Nisso há um paralelo com a primeira geraçào da Escola de Frankfurt. Enquanto os frankfurtianos identificaram a influencia da cultura, a burocracia, a natureza do autoritarismo, a questäo da razào e da racionalidade e discussôes epistemológicas para explicar o fracasso no alastramento do socialismo, Gramsci buscou elucidar a influencia da hegemonía nesse fenòmeno. Todos trabalharam urna temática claramente situada na superestrutura.
Há que se ter em mente que o conceito de hegemonía de Gramsci (2000) guarda pouca semelhança com o termo usado habitualmente nas Relaçôes Internacionais e com o conceito derivado do realismo. Para realistas, trata-se do Estado dominante no sistema internacional, ou do Estado mais forte em urna regiäo específica. Gramsci (idem) buscou alargar esse entendimento em decorrènda de seu conceito mais ampio de poder.
O desenvolvimento do conceito gramsciano de hegemonía apresenta-se como urna discussäo produtiva. A noçào de hegemonía como urna ordern política relativamente incontestada, e habitualmente aceita de maneira passiva, isto é, urna combinacäo da coerçào e do consentimento, abre múltiplas possibilidades de reinterpretacäo da realidade internacional . A hegemonía, exercida por forças sociais que detêm o controle do Estado, tem por finalidade a produçào do consentimento nas demais. Gramsci (idem) entendeu que os valores morais, políticos e culturáis do grupo dominante säo dissipados por meio das instituiçôes da sociedade civil, obtendo o status de significados intersubjetivos compartilhados, dai a noçào de consentimento. As ideologías dominantes proliferam-se de tal maneira que passam à qualidade de senso comum.
O sentido do termo "sociedade civil" aquí empregado diz respeito à rede de instituiçôes e práticas da sociedade que gozam de relativa autonomía do Estado, por meio das quais grupos e individuos se organizam, representam-se e expressam-se.
Dessa forma, as possibilidades de mudança surgem da noçào de bloco histórico, ou seja, as relaçoes entre a base material (infra-estrutura) e as práticas político-ideológicas que sustentam urna certa ordern. A transformaçâo somente emergirá se a hegemonía for contestada. O lócus para tal seria a sociedade civil, urna vez que iniciativas contra-hegemônicas devem desafiar a hegemonía a firn de que surja um bloco histórico alternativo.
Outra implicaçâo dessas premissas impôe que, se a perpetuacäo da dominaçào da classe governante ocorre por meio da hegemonía, a transformaçâo só poderá advir se a hegemonía for contestada. Isso compreende urna luta contra a ordern prevalecente no cerne da sociedade civil, compreende urna contra-hegemonía, em busca de um bloco histórico alternativo . A firn de transcender determinada ordern, há que se ter em mente que na contra-hegemonía, a legitimidade política e a mudança histórica representan! estruturas históricamente limitadas.
Nesse ponto, convém afirmar que urna transposiçào da teoría política de Gramsci acerca da política doméstica italiana ñas décadas de 1 920 e 1 930 para a esfera internacional ou para a política mundial nao é tarefa das mais facéis, nem pode ser f eita de maneira direta. Em que pesem essas dificuldades, os autores dessa corrente têm obtido um éxito surpreendente, constatado a seguir.
Podemos ereditar também a Robert Cox o mérito de ter introduzido Gramsci no estudo da política mundial, em urna abordagem que compreende o desenvolvimento de urna estrutura alternativa para a análise dessa. Percebemos urna significativa influencia do gramscianismo no desenvolvimento do seu entendimento teórico sobre as Ordens mundiais, que se apropriam das fontes de estabilidade de um dado sistema, bem como da dinámica dos processos de transformacao. Para tal, Cox (1995b) defende que a hegemonía é um conceito tâo central para explicar a manutençào da estabilidade e continuidade no dominio internacional quanto para o nivel doméstico. Sucessivos Estados dominantes têm criado e moldado ordens mundiais da forma mais conveniente aos seus interesses, graças as suas capacidades de coerçào, bem como ao consentimento generalizado provocado, mesmo entre aqueles que nao (ou pouco) se beneficiam.
Cox (idem) procura entender as ordens mundiais como estruturas históricas compostas por tres categorías de forças: capacidades materials, idéias e instituiçôes. As capacidades materials dizem respeito à esfera econòmica da estrutura social. Como tal, incluem o potencial tecnològico e organizacional; portanto, denotam näo somente corno qualquer sociedade se reproduz em sua base material, mas também a maneira corno essa reproduçâo é planejada, antecipada.
A esfera ideologica subdivide-se em duas partes. Por um lado, encontramos o conceito de significados intersubjetivos, que afetam a conservaçào de hábitos e subsidiam expectativas quanto ao comportamento social. Cox (idem) afirma que Estados sao exemplos notorios na política mundial, urna vez que representan! formas generalizadas de comunidade política. Por outro lado, encontramos as imagens coletivas da ordern social. Em sua essência, constituem juízos diversos sobre os significados de jusücae dos bens públicos, sobre a legiümidade das relaçôes de poder presentemente cultivadas. O choque de posiçôes adversarias representa a possibilidade da mudança, o potencial para a produçào de urna ordern alternativa. Enquanto significados intersubjetivos tendem a ser largamente generalizados em dado contexto histórico, as imagens coletivas sao significativamente mais numerosas e divergentes.
As instituiçôes säo fundamentáis. Segundo Cox (idem), desempenham funçào vital na estabilizaçâo e perpetuaçào de urna ordern particular. Originalmente, tendem a reforçar as relaçoes de poder estabelecidas, cultivando imagens coletivas compatíveis. Contudo, no decorrer do tempo, imagens coletivas rivais ou até instituiçôes concurrentes podem ser criadas e lançadas. As instituiçôes refletem, por conseguirne, urna combinaçào específica de idéias e poder material, entretanto, podem também transcender a ordern original e influenciar o desenvolvimento de novas idéias e capacidades materials.
Essa posiçâo se clarifica quando se aplicam as estruturas históricas a tres níveis: formas de Estado, forças sociais e ordens mundiais. Examinemos as implicaçôes conséquentes. A interaçào dos très níveis proíbe qualquer hierarquia determinada a priori das relaçoes. Além do mais, cada nivel é o resultado da luta entre estruturas rivais.
O nivel inicial abränge os complexos Estado/sociedade. Chama-se atençào para as formas e estruturas de Estado que sociedades específicas desenvolvem. A historicidade da forma de qualquer Estado é urna derivaçào da configuraçào particular das capacidades materials, idéias e instituiçôes, que é específica de um complexo Estado/sociedade.
A organizaçào da produçào, em especial das forças sociais participantes, constituí o segundo nivel. A medida que evoluì a produçào, observamos transformaçôes expressas na genese, no fortalecimento ou no declínio de forças sociais específicas. Com a forma ainda dominante de um capitalismo hiperliberal, em urna escala global, as forças sociais associadas à economia real em contraposiçâo aos mercados financeiros (como sindicatos) têm sido enfraquecidas, em favor do fortalecimento de investidores privados, por exemplo.
Por firn, o terceiro nivel é representado pelas ordens mundiais. Estas seriam a constituiçâo precisa de forças que, em seqüencia, determinam a maneira como os Estados interagem. Cada contexto histórico produzirá urna configuraçâo específica das forças sociais, dos Estados, e da inter-relaçâo entre eles que repercutirá como urna ordern mundial particular. A título de exemplo, tem havido bastante discussäo acerca de urna nova ordern mundial inaugurada pela resposta de George W. Bush aos ataques de 1 1 de setembro de 2001 , em referencia clara ao principio da açâo preventiva (Política Externa, 2002). O impacto gerado pela propagaçào desse conceito desencadeou a perspectiva de urna mudança fundamental nos padröes atualmente aceitáveis de conduta entre Estados.
Entre os tres níveis, no entanto, nao encontramos urna relaçào unilinear. Forças sociais transnacionais têm influenciado Estados por meio da estrutura mundial, conforme evidenciado pelos reflexos do capitalismo expansivo do século XIX sobre o desenvolvimento de estruturas de Estado no centro e na periferia. A conformaçâo conjuntural das ordens mundiais é capaz de exercer influencia sobre as formas que assumem os Estados. Em resposta à sensaçào de ameaça à existencia de um Estado soviético, marcado por urna ordern mundial hostil, surgiu o stalinismo. Já o complexo industrial-militar dos países centrais justificou sua ingerencia sobre os demais, apoiado sobre um quadro conflituoso da ordern mundial de entäo. Este quadro se configurou nos países periféricos com a existencia de um militarismo repressivo, sustentado pelo apoio externo do imperialismo, assim como por urna peculiar conjunçào de forças sociais internas nesses países. Formas de Estado também afetam o desenvolvimento de forças sociais pelos tipos de dominaçào que exercem, por exemplo, avançando os interesses de urna classe, as expensas dos interesses de outra.
Consideradas em separado, forças sociais, formas de Estado e ordens mundiais podem preliminarmente ser representadas como configuraçoes específicas de capacidades materials, idéias e instituiçôes. Consideradas conjuntamente e, portante, em direçâo a urna representaçâo mais completa do processo histórico, cada urna conterà as demais, assim como será objeto da transformaçào destas.
Näo restam dúvidas de que o pensamento gramsciano em Relaçoes Internacionais encontrou terreno fértil para se reproduzir. Nota-se que a inspiraçâo marxista dessa abordagem facilita a penetraçào de tais idéias especialmente nos dominios da economia política internacional. Näo se deve cometer o equívoco, contudo, de crer na restriçâo do alcance de Gramsci ñas Relaçoes Internacionais a questôes claramente económicas .
Teoria Crítica Internacional
A teoria crítica internacional representa urna derivaçào do pensamento coxiano. Seu expoente cardeal, Andrew Linklater, tern sua trajetória académica marcada por urna sintonia inicial com as idéias de Cox e urna marcante evoluçâo rumo a urna temática alternativa.
Para Devetak (1995), a tarefa da teoría crítica internacional, consoante Linklater (1996), seria fornecer urna teoría social da política mundial. Trata-se do alargamento do escopo tradicional das Relaçoes Internacionais, näo mais limitado por obsessôes "estatocêntricas". Em comunhäo com as preocupaçôes atinentes à transformaçào da realidade social e política, essa corrente deve muito às tentativas de reconstruçâo do materialismo histórico, em particular ao traballio de Jürgen Habermas.
Encontramos, novamente, paralelos com o intuito gramsciano de buscar compreender melhor o papel que idéias, valores, ideologías, iste é, a superestrutura, desempenham na construçào e manutençào das estruturas sociais e políticas. A crítica intrínseca remete-nos a urna sobrevalorizaçào da dimensäo material e das forças de producäo. Marx tendeu a imaginar a relaçào entre infra-estrutura e superestrutura de maneira automática, ao passo que Habermas (1993) procura entender a relevancia das estruturas normativas, chegando a sugerir que a última se sobrepôe à primeira. Devetak (1995) decifra a questäo como urna mudança paradigmática, do paradigma da produçào e consciência em direçào ao paradigma da linguagem. Subjaz à transformaçào o esforço de diferenciar entre formas de racionalidade e o de compreender a racionalidade comunicativa (ou agir comunicativo), tendo em vista as formas da razäo moral-prática na vida social.
Habermas (1993) propôe que o conhecimento guarda relaçào com a idéia de interesses. O interesse técnico procura entender e controlar o meio ambiente; o interesse pràtico guarda relaçào com entender outras sujeitos; e o interesse emancipatório busca a mudança. Sua teoria da açào comunicativa é urna tentativa de combinar intéresses prátìcos e emancipatórios.
Para Habermas, a razäo näo existe dentro do individuo isolado. Eia requer o diálogo. Ele reforça a noçào do sujeito como enüdade racional, mas condiciona o surgimento da racionalidade a um quadro, urna comunidade. Há normas constitutivas para o entendimento comunicativo que devem ser acatadas pelos sujeitos para surgir urna situaçào de "discurso ideal".
Essa situaçào requer urna certa dose de tolerancia no diálogo. Todos os participantes devem ter oportunidades iguais de participar. Devem exercer o direito de afirmar, defender ou questionar qualquer posiçào normativa. Essa interaçào näo deve ser impedida por papéis ativos ou diferenças de status. Além disso, os participantes devem se inspirar no desejo de atingir um consenso sobre a verdade das afirmaçoes e a validade das normas. Habermas näo afirma prover urna prescriçao para dilemas éticos. O agir comunicativo é mais um procedimento, em que a validaçao ocorre por meio de um processo de diálogo.
A Linklater (1998) devemos o reconhecimento de ter introduzido e avançado as idéias de Habermas nas Relaçoes Internacionais . Seus esf orços estäo em sintonia com a def esa da noçào de que a emancipaçâo no dominio internacional deva ser apreciada na forma da expansäo das barreiras moráis entre comunidades políticas. A emancipacao constituí a perda de significado moral e ético das fronteiras dos Estados. O foco passa a ser as múltiplas formas de inclusäo e exclusäo promovidas pela política mundial, dentre as quais se destaca o Estado enquanto comunidade moral. Linklater (idem) defende o universalismo moral sem exclusäo.
Esta pode ser compreendida de duas formas. Urna se refere àquilo de que se tenta evadir-se (participaçào, recursos) intencionalmente (discriminaçào visível) ou por meio das estruturas de poder ocultas, como os discursos que negam, escondem ou marginalizam a diferença. Outro sentido entende exclusäo como simplesmente o oposto da inclusäo.
Segundo Linklater, um relato compreensivo sobre a política mundial requer a análise e múltiplas formas de exclusäo. O autor defende que a exclusäo decorre de nos designarmos relevancia moral a certas barreiras entre pessoas (tais como fronteiras nacionais, de gènero, de raça, de classe etc.).
A tarefa que temos adiante é ( 1 ) normativo-filosófica - refletir sobre os criterios que determinam a legitimidade dos modos de inclusäo e exclusäo -; (2) histórico-sociológica - examinar as origens, a reproduçao e potencial transformaçao das barreiras moráis -; e (3) política - almej ar atingir um equilibrio justo entre o universal e o particular.
O argumento de Linklater (idem) é ampio e complexo, e näo poderá ser adequadamente resumido aquí. Está centrado no conceito de comunidade, revendo a separaçao entre as posiçôes comunitarista e cosmopoliüsta e a natureza das barreiras moralmente relevantes de inclusäo e exclusäo da comunidade.
Sua idéia de comunidade política adota a forma de urna comunidade dialógica: todos estäo convidados a participar e qualquer posiçào moral está propensa ao questionamento. Já que todos têm voz, e as regras dizem respeito somente ao procedimento e nao ao conteudo do diálogo, essa seria a forma mais adequada de determinar os melhores arranjos para a ordern social e de evitar a exclusäo enquanto se celebra a diferença. O diálogo, dessa forma, expressa um valor por si so, e seu objetivo é estabelecer o consenso. Está claro que estamos diante de umanoçào habermasiana de diálogo ou de ética do discurso.
Linklater (1998) acredita que o problema näo é universalismo em si, mas as versôes em que se supôe que a razâo individual possa descubrir um ponto de vista arquimediano que transcende as distorçôes e limitaçôes do tempo e do espaço. É possivel urna moralidade reflexiva que reconhece (1) que a construçào da identidade requer que se evite a representaçâo negativa dos outros e (2) que o direito à autodeterminaçâo comunitaria há de ser exercido de maneiras que aceite o principio moral cosmopolita segundo o quai é legítimo que estrangeiros também reivindiquen! bem-estar. A universalidade passa a ter a forma de responsabilidade de engaj amento com outros individuos (independente de suas características raciais ou nationals) em um diálogo aberto sobre assuntos que comprometem seu bem-estar. A questäo para Linklater (idem), portante, näo é que a exclusäo deixasse de existir, mas que, por meio do diálogo, a comunidade decidiría sobre como e quem excluir ou incluir, por dar urna voz a todos. A exclusäo näo seria "injusta", mas legitimada. Adiante, comunidades dialógicas assim concebidas seriam, por definiçao, sempre abertas e dispostas à expansäo para incluir mais estrangeiros, e de fato seria sua responsabilidade inclui-los, sempre que envolvesse o bem-estar desses. Isso implicaría que as fronteiras näo seriam fixas porque näo mais teriam relevancia moral, visto que a priori näo haveria razâo para excluir ninguém.
O aspecto complicado do esforço admirável de Linklater (idem) é a tentativa de reconciliar "a celebracäo da diferença" com um projeto universalista. Ele escreve abertamente a partir de urna perspectiva liberal-democrática kanüana-hegeliana, o que gera serios problemas em sua argumentaçâo. Acreditamos que essas dificuldades tornam suas idéias no final das contas incapazes de realizar sua tarefa. Sem nos referirmos a todas as críticas a Linklater (seu viés Uniäo Européia e a ausencia de indicaçoes quanto à institucionalizaçào dos arranjos políticos pós- westf aliano), alguns problemas säo relevantes à nossa argumentaçâo.
Primeiro, a dimensào do poder - a noçào de comunidade dialógica levanta questöes do tipo: e se näo houver consenso dentro da comunidade? Quem terá a autoridade de arbitrar a decisäo a ser tomada? Quem definirá as regras do jogo? Parece que a comunidade dialógica de Linklater (idem) está aberta apenas aqueles que aceitam as regras do jogo. Que todos iräo aceitá-las é urna questäo à parte. Sua visäo procedimental sobre a ética obscurece as relaçoes de poder existentes entre os participantes. Como seria urna esfera pública aberta, livre, näo-manipulada? Como seria o acesso? Seria possível?
Em segundo lugar, a visäo habermasiana de Linklater (idem) parte do pressuposto de que as metas e valores das pessoas näo seriam fundamentalmente incompatíveis, em outras palavras, que somos todos esencialmente "iguais", na verdade. Essa é urna visäo particularmente liberal. Considera, também, o individuo pré-social, abstraído de todos os "outros" aspectos, como a cultura. No entanto, a cultura näo pode ser usada como vestimenta, a ser descartada a qualquer momento. Nossos discursos (raciocinio, linguagem) säo eles próprios culturalmente situados e constituidos - assim como os de Linklater (idem).
Análise
Fica evidente que näo se deve menosprezar a força do impacto que teóricos críticos causaram ñas Relaçoes Internacionais, estendendo-se à economia política internacional. Essa repercussäo, como vimos, ftindamenta-se sobre urna visäo inovadora das discussôes epistemológicas no ámbito das Relaçôes Internacionais. Contudo, houve quem recebeu a teoría crítica e sua vertente neogramsciana com menos entusiasmo. Se nao, vejamos os argumentos.
Um dos traeos que mereceu censura diz respeito ao pessimismo que teóricos críticos, em gérai, têm demonstrado no que diz respeito aos agentes datransformaçâo social pretendida, particularmente quando se trata de organizaçôes näo-governamentais (ONGs) e intergovernamentais (OIGs).
De maneira semelhante, há críticas imbuidas de excesso de otimismo, ou de utopia, quanto à mudança estrutural tao preconizada.
Observamos um curioso paradoxo no que se refere ao Estado. Há desde aqueles que considerami os teóricos críticos por demais obcecados pelos Estados, o que constituí o já citado "estadocentrismo", até aqueles que diagnosticam a ausencia de urna atençào apropriada ao Estado.
O tema da globalizaçào trouxe à tona as contribuiçôes singulares dos neogramscianos para a economia política internacional. Nesse caso, trata-se da crítica quanto à despersonalizaçâo dos fenómenos. Tais autores preferem enxergá-la como um processo conduzido por alguns Estados.
Em suas discussôes, autores contemporáneos descendentes das tradiçôes marxistas, principalmente aqueles que têm devotado atençào as problemáticas da identidade, aliados aos antropólogos, queixam-se da subestimaçâo das forças culturáis, em favor de um reducionismo fundado sobre a produçào, sobre o materialismo.
O neogramscianismo pressupöe que haja urna "verdadeira consciência", ou interesses objetivamente identificáveis. Este postulado se encontra presente até mesmo na divisäo epistemológica da teoria crítica, ao assegurar que nao é possível conhecer a realidade a nao ser por um conjunto específico de valores. Segundo Griffiths (2004), a eleicäo da emancipaçao enquanto valor supremo acaba exigindo urna verdadeira conscientizaçâo - sem que individuos estejam conscientes da opressäo, näo poderäo ser emancipados. Nao seria tarefa singela, tampouco aberta as interpretaçôes subjetivas, ao relativismo, revelar as forças sociais e materials que evitam que individuos alcancem seus interesses reais. Ainda consoante Griffiths (idem), essa posiçâo assevera urna identificaçao da teoria crítica com o positivismo epistemológico, posiçâo esta que diverge do refleti vismo comumente identificado por outros autores na teoria crítica.
Conclusa«»
Como reflexôes fináis, convém ressaltar o éxito obtido pela teoría crítica, em suas diversas abordagens aquí apresentadas.
Preliminarmente, cabe rememorar os impactos profundos sobre as discussôes teóricas em Relaçoes Internacionais que podem ser identificados como tendo origem ñas indagaçôes apresentadas por Robert Cox (1995a; 1995b; 2000). Esse ponto näo deve ser menosprezado. Se hoje há um vibrante debate metateórico, para o regozijo de alguns e tristeza de outros, isso se deve em grande parte aos teóricos críticos e às perspectivas teóricas que se aproveitaram das questöes propostas. Entendemos que a teoría crítica representa urna guiñada importante, em urna nova direçào, diante da encruzilhada em que se encontrava o campo de estudos no inicio dos anos 1980.
Outra implicaçao observada remonta à diversificaçào do escopo teòrico das Relaçoes Internacionais, que expandiu significativamente seus horizontes, conduzindo tal escopo rumo a novas conceituaçôes dos fenómenos da política mundial. Expuseram-se as limitaçôes epistemológicas das tradiçôes de pensamento conventionale das Relaçoes Internacionais. Diversas abordagens mais recentes podem, por conseguinte, ter suas origens identificadas na teoría crítica, como a teoria normativa, o pós-modernismo, algumas correntes do feminismo, o construtivismo, e dai por diante.
Há outros pontos importantes a serem ressaltados nessa análise sobre as realizaçôes da teoria crítica. Linklater (1996) aponta-nos quatro principáis. Urna se atém aos desafios impostos ao positivismo epistemológico (racionalismo), urna vez que para a teoría crítica o conhecimento nao surge do engaj amento neutro do sujeito com urna realidade objetiva; ao contrario, reflete propósitos e interesses sociais preexistentes.
A segunda grande realizaçâo seria a contestacäo da posiçào segundo a qual as estruturas sociais atuais sao imutáveis, já que essa noçào sustenta as iniquidades estruturais de poder e riqueza que sao por principio alteráveis. A preocupaçào recorrente com a emancipaçào ñas diversas correntes vistas aquí se sustenta sobre urna concepçào que deve apreciar a possibilidade de transformaçào da ordern social, a despeito daquela posiçào epistemológica que defende urna posiçào muito mais contemplativa.
E inegável, por outro lado, a influencia do marxismo sobre a teoria crítica. Esta representa urna tentativa de superaçào de debilidades inerentes àquela ao rejeitar que a luta de classes é a forma fundamental de exclusäo social, e que a produçào é o determinante fundamental da sociedade e da historia.
As vertentes mais recentes, particularmente o que chamamos de teoría crítica internacional, julgam arranjos sociais pela sua capacidade de abracar diálogos abertos com todos e visualizar novas formas de comunidade política que rejeitam a exclusäo injustificada. Essa é a quarta grande realizaçâo da teoría crítica segundo Linklater ( 1 998) .
Por firn, cabe afirmar que, consoante o nosso entendimento, nao estamos diante de abordagens que poderäo ser nitidamente classificadas dentro da epistemologia pós-positivista. Aquí há um largo e (pantanoso) terreno para debate. Pelo que entendemos, a teoria crítica pode ser acusada consistentemente de carregar características híbridas . Se, por um lado, é responsável pela incorporaçào do refletivismo, da incerteza sobre o alcance da racionalidade, por outro, a teoria critica näo leva essa intençào adiante. Afinal, se teorías servem a alguém e a algum proposito, como sustentar a defesa pela emancipaçâo? Se há urna posiçào normativa da teoria critica rejeitando a ordern social atual, como pode afirmar que a ordern almejada seria "melhor"? A tarefa cabera ao pós-modernismo em Relaçoes Internacionais, vertente essa que produzirá urna censura consistente sobre os limites auto-impostos da teoria critica.
Resumo
Teoria Crítica em Relaçoes Internacionais
Este artigo tem por objetivo apresentar a tradiçâo da teoría crítica em Relaçoes Internacionais. Entende-se que haja urna lacuna nos debates teóricos com a reduzida atençâo dedicada a essa tradiçâo no Brasil. O revigoramento dos debates teóricos contribuí para o enfraqu ecimento das tradicóes teóricas convencionais. O papel da teoría crítica nessa tendencia é primordial. A teoría crítica da Escola de Frankfurt é examinada como precursora filosófica e metateórica da teoría crítica em Relaçoes Internacionais. Em seguida, as bases epistemológicas dos desafios da teoría crítica as teorías convencionais säo apresentadas, com ênfase especial dedicada ao trabalho de Robert W. Cox. O pensamento neogramsciano é inspecionado à luz da busca pela transformaçâo social ñas relaçoes internacionais. A vertente da teoría crítica internacional é vista como fonte de inspiraçâo para muitos autores que trabalham com a emancipaçâo. Examina-se a produçâo de Andrew Linklater por representar a busca por transformaçâo das comunidades políticas por meio da expansäo de suas fronteiras moráis. Em seguida, busca-se urna avaliaçâo crítica dos impactos trazidos pela teoría crítica ao campo de estudos das Relaçoes Internacionais. Conclui-se que a teoría crítica tem méritos na guiñada das discussóes teóricas em direçâo a questionamentos ontológicos e epistemológicos, debate esse que tem caracterizado esse campo de estudo ñas últimas décadas, por meio da exposiçâo das limitaçôes conséquentes do dominio das teorías convencionais. Näo obstante, a associ açâo da teoria critica ao pós-positivismo epistemológico constituí atitude premeditada.
Palavras-chave: Teoria das Relaçôes Intemacionais - Teoria Critica - Escola de Frankfurt - Gramsci
Abstract
Critical Theory in International Relations
This article aims to present Critical Theory in International Relations. It is understood that there has been a lacuna in theoretical debates with little attention paid to this tradition in Brazil. The current revival in theoretical discussions contributes to the weakening of conventional theories. The role of Critical Theory in this trend is fundamental. Frankfurt School Critical Theory is examined as a philosophical and metatheoretical forerunner to its International Relations' counterpart. There follows the epistemological bases for the challenges Critical Theory poses to conventional approaches, with particular regard to the work of Robert W. Cox. Neo-Gramscian thought is thus in the light of concerns for social transformation in International Relations. The Critical International Theory perspective is subsequently scrutinized as a source for emancipatory concerns of IR scholars. The work of Andrew Linklater is presented due to the search for the transformation of political communities by way of the expansion of moral boundaries. A critical assessment of the impacts of Critical Theory to the field of International Relations is thus presented. This article concludes that Critical Theory is largely accountable for the turn towards the ontological and epistemological issues that have distinguished this field of study within the last few decades, by exposing the consequential shortcomings of the predominant conventional theoretical approaches. However, Critical Theory is deliberately associated to post-positivist epistemologies.
Key words: International Relations Theory - Critical Theory - Frankfurt School - Gramsci
* Artigo recebido em julho e aprovado para publicaçâo em setembro de 2005.
Notas
1. Essa proposiçâo é particularmente verdadeira ñas academias européias, principalmente na británica, e encontra-se respaldada em Burchill e Linklater (1 996) e Smith e Booth ( 1 996). Na academia brasileira das Relaçoes Internacionais, há que se registrar o louvável esforço de Rocha (2002).
2. Trata-se de um episodio relatado por Tucídides (2002) em que a dominadora Atenas pretendía tomar a pequeña ilha de Melos, suscitando urna discussäo entre ambas as cidades acerca do poder versus amorahdade ñas relaçoes entre comunidades políticas.
3. Seguramente um dos artigos mais citados em textos desde sua pubhcaçâo em 1981. O artigo é mais conhecido por ser encontrado em Keohane (1986).
4. Para um eximio relato da proximidade (quase promiscua) entre as disciplinas científicas e o Estado, sua gênese e sua institucionahzaçâo, ver Wallerstein (1996), sobretudo o capítulo primeiro.
5. Como tantas outras questöes, também é motivo de debate nesse campo de estudo. Para os británicos, deu-se com a criacäo da cadeira Woodrow Wilson na Universidade de Gales em Aberystwyth, no curso de Direito Internacional, em 1919.
6. Raymond Aron curiosamente fica às margens dessa caracterizaçao. Isso, contudo, näo invalida a proposicäo. Näo se trata de estabelecer urna lei universal. Podemos expandir a proposicäo para incluir Estados-naçâo centrais, mas näo hegemônicos, sem prejuizo para a validade da proposicäo (Griffiths, 2004) .
7. Aqui, a tentativa de encontrar fainas torna-se mais custosa. No sentido estrito do dependentismo, näo parece haver significativa contribuiçao de autores que näo fossem de países näo-centrais: Teotônio dos Santos, Celso Furtado, Raul Prebisch, Caio Prado Jr., Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, André Gunder Frank, Said Amin, Giovanni Arrighi - todos tiveram seus nomes associados a essa corrente (Silva, 2002).
8. Traduçao minha.
9. Maquiavel já o sugeriu com a analogia ao centauro (metade hörnern, metade fera).
10. Para Craig Murphy (1990:25-46), isso näo tem acontecido. Pelo contràrio, haveria um bloco histórico conservando a dominancia em escala global, possivelmente composta por urna classe dirigente "atlàntica" ou "trilateral", por classes subordinadas no interior de Estados industrializados e por classes dirigentes nos países em desenvolvimento. Em outro traballio, Murphy (1994) explora as repercussöes da escolha de urna análise gramsciana sobre o tema da organizaçao e governabilidade internacionais, apontando a influencia de idéias e valores consolidados ñas organizaçôes institucionais e internacionais, visando o bom funcionamento da economia política global.
11 . S erve como exemplo a aphcaçao do neogramscianismo na temática da segurança internacional (Lamazière, 1998).
12. O pròprio Habermas (1993) tem dedicado atençao crescente ao universo das relaçôes internacionais, fazendo-o, porém, a partir de urna perspectiva que tende a empobrecer e restringir por demais o alcance de suas idéias. A porta de entrada de Habermas nos dominios da política internacional tem sido a nocäo da construçao de consensos por meio da firmaçao de tratados e convençôes entre Estados.
13. Trata-se da divisäo doutrinária dentro da chamada teoria normativa em Relaçôes Internacionais. Ver Hoffman (1994) e Frost (1994).
14. O dilema remete inclusive à nocäo de "consciência de classe" marxiana. Como verificar se essa consciência se encontra presente?
15. Há quem afirme que tal hibridismo é compartilhado pelo construtivismo social. Para um exame aprofundado da matèria e suas implicaçôes para as Relaçôes Internacionais, ver novamente Rocha (2002).
Referencias Bibliográficas
BURCHILL, Scott e LINKLATER, Andrew. (1996), Theories of International Relations. Nova Iorque, St. Martin's Press.
COX, Robert W. (1995a), "Critical Political Economy", in B. Hettne (org.), International Political Economy : Underglobal Disorder. Nova Scotia, Fernwood Books.
_____ [1981] (1995b), "Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory", in R. W. Cox e T. Sinclair, Approaches to World Order. Cambridge, Cambridge University Press.
______ [1995] (2000), "Rumo a urna Conceituaçâo Pós-hegemonica da Ordern Mundial: Reflexöes sobre a Relevancia de Ibn Kaldun", in J. ?. Rosenau e E-O Czempiel (orgs.), Governança seni Governo: Ordern e Transformaçào na Política Mundial. Brasilia, Editora da UnB.
DEVETAK, Richard. (1995), "Critical Theory", in S. Burchill e A. Linklater (orgs.), Theories of International Relations. Nova Iorque, St. Martin's Press.
FROST, Mervyn. (1994), Ethics in International Relations: A Constitutive Theory. Cambridge, Cambridge University Press.
GILL, Stephen. (1993), Gramsci, Historical Materialism and International Relations. Cambridge, Cambridge University Press.
_____ (1998), Global Political Economy. Baltimore, Johns Hopskins University Press.
GRAMSCI, Antonio. (2000), Cadernos do Carcere (vol. 2). Säo Paulo, Editora Civilizaçâo Brasileira.
GRIFFITHS, Martin. (2004), 50 Grandes Estrategistas das Relaçoes Internacionais. Säo Paulo, Contexto.
HABERMAS, Jürgen. (1993), Passado como Futuro. Rio de Janeiro, Editora Tempo Brasileiro.
HOFFMAN, Mark. (1994), "Normative International Theory: Approaches and Issues", in A. J. R. Groom e M. Light (orgs.) , Contemporary International Relations Theory. Londres, Pinter Publishers.
HORKHEIMER, Max. (1990), Teoria Crítica: Urna Documentacelo. Sào Paulo, Editora Perspectiva/Editora da USP.
JARDIM, Tarciso Dal Maso. (2002), "Gramsci, Teoria Ampliada do Estado e as Relaçôes Internacionais". Universitas - Relaçôes Internacionais, vol. 1, n°l, pp. 9-24.
KEOHANE, Robert (org.). (1986), Neorealism and Its Critics. Nova Iorque, Columbia University Press.
LAKATOS, Imre. (1978), The Methodology of Scientific Research Programmes. Cambridge, Cambridge University Press.
LAMA ZIÈRE, Georges. (1998), Ordern, Hegemonía e Transgressäo: A Resoluçao 687 (1991) do Conselho de Segurança das Naçôes Unidas, a Comissäo Especial das Naçôes Unidas e o Regime Internacional de Näo Proliferaçào de Armas de Destruiçâo em Massa. Brasilia, Instituto Rio Branco/Fundaçâo Alexandre de Gusmâo/Centro de Estudos Estratégicos.
LINKLATER, Andrew. (1996), "The Achievements of Critical Theory", in S. Smith, K. Boom e M. Zalewski (orgs.), International Theory: Positivism and Beyond. Cambridge, Cambridge University Press.
_____ (1998), The Transformation of Political Community. Oxford, Polity Press.
MAQUIAVEL, N. (1982), O Príncipe e a Vida de Castrúcio Castracani. Brasilia, Editora da UnB.
MURPHY, Craig. (1990), "Freezing the North-South Bloc(k) After the East-West Thaw". Socialist Review, vol. 20, n° 3, pp. 25-46.
_____ (1994), International Organization and Industrial Change: Global Governance since 1850. Oxford, Oxford University Press.
POLÌTICA EXTERNA. (2002), Säo Paulo, vols. 11/12, n° 3/1, dez-fev 2002/2003.
POPPER, Karl. (1958), The Logic of Scientific Discovery. Londres, Hutchinson.
ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. (2002), Relaçôes Internacionais: Teorías e Agendas. Brasilia, Editora EBRI.
SILVA, Marco Antonio de Meneses. (2002), "A Teoria Crítica e o Conservadurismo Tácito da Teoria da Dependencia, ou a NaturezaProblem-Solving do Dependentismo". Universitas - Relaçoes Internacionais, vol. 1 , n° 1 , pp. 25-33.
SMITH, Steve e BOOTH, Ken (eds.). (1996), International Relations Theory Today. Cambridge, Cambridge University Press.
TUCÍDIDES. (2002), A Historia da Guerra do Peloponeso. Brasilia, Editorada UnB.
WALLERSTEIN, Immanuel M. (1996), Para Abrir as Ciencias Sociais. Säo Paulo, Editora Cortez.
Marco Antonio de Meneses Silva**
** Mestre em Relaçoes Internacionais pela University of Kent at Canterbury (Reino Unido), professor e coordenador do curso de Relaçoes Internacionais do Centro Universitario de Brasilia (Uniceub).
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jul-Dec 2005
Abstract
This article aims to present Critical Theory in International Relations. It is understood that there has been a lacuna in theoretical debates with little attention paid to this tradition in Brazil. The current revival in theoretical discussions contributes to the weakening of conventional theories. The role of Critical Theory in this trend is fundamental. Frankfurt School Critical Theory is examined as a philosophical and metatheoretical forerunner to its International Relations' counterpart. There follows the epistemological bases for the challenges Critical Theory poses to conventional approaches, with particular regard to the work of Robert W. Cox. Neo-Gramscian thought is thus in the light of concerns for social transformation in International Relations. The Critical International Theory perspective is subsequently scrutinized as a source for emancipatory concerns of IR scholars. The work of Andrew Linklater is presented due to the search for the transformation of political communities by way of the expansion of moral boundaries. A critical assessment of the impacts of Critical Theory to the field of International Relations is thus presented. This article concludes that Critical Theory is largely accountable for the turn towards the ontological and epistemological issues that have distinguished this field of study within the last few decades, by exposing the consequential shortcomings of the predominant conventional theoretical approaches. However, Critical Theory is deliberately associated to post-positivist epistemologies. [PUBLICATION ABSTRACT]
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer