Resumo:
O artigo problematiza a incorporaçâo da dimensäo cultu- ral na explicaçâo dos processos políticos a partir de uma reconstruçâo das várias formulaçôes do conceito de re- pertorio na sociologia de Charles Tilly, desde os anos 1970 até seus últimos trabalhos, em 2008. Mostra como Tilly partiu, em 1976, de uma noçâo de repertorio como formas de açâo reiteradas em diferentes tipos de conñito; aborda- gem estruturalista e racionalista, concentrada na ligaçâo entre interesse e açâo, e privilegiando atores singulares. Trinta anos depois, o conceito de repertorio se apresenta relacional e interacionista, privilegia a experiencia das pes- soas em interaçôes conñituosas, e o uso e a interpretaçâo dos scripts em performances. Esta reformulaçâo enfatiza a agency e afasta-se do estruturalismo anterior de Tilly. Argumenta-se que a interpretaçâo de Tilly pode se aplicar à historia de seu conceito, apropriado em performances de outros intérpretes. Além da sua aplicaçâo a novos casos, repertorio ganhou especificaçôes, contestaçôes, dilataçôes, e usos imprevistos.
Palavras-chave:
Repertorio; Charles Tilly; Cultura e açâo política; Sociologia política; Movimentos sociais.
Abstract:
Based upon a reconstruction of various formulations of the concept of repertoire in the sociological work of Charles Tilly from the 1970's until his last studies in 2008, this article problematizes the consideration of a cultural dimension in the explanation of political processes. It shows how Tilly departed from a notion of repertoire as forms of reiterated actions within different types of conflict, which indicates a structuralist and rationalist approach in joining interest and action and privileging individual actors. Thirty years later, "repertoire" becomes a relational and interactionist concept, privileging the experience of people in contentious interactions, and the use and interpretation of scripts in performances.This reconcepualization refocusses attention upon agency and deviates from Tilly's previous structuralism. This article argues that Tilly's reinterpretation of the concept can be applied to its history, its appropriation in performances of other interpreters. Besides its application to new cases, the concept of repertoire received new specifications, contestations, amplifications and was put to unpredicted uses.
Keywords:
Repertoire; Charles Tilly; Culture and political action; Political sociology; Social movements.
Charles Tilly é um dos grandes nomes da sociología do século XX, em particular da sociologia política. Seus trabalhos sobre movimentos sociais, publicados a partir dos anos 1970, säo um divisor de águas no estudo do assunto, por com- baterem explicaçôes economicistas e psicologizantes, oferecendo, em contra- ponto, teoria que focaliza fatores eminentemente políticos na compreensäo do processo de mobilizaçâo coletiva. Ao edificar tal teoria, Tilly se deu conta da necessidade - e da dificuldade - de incorporar dimensöes culturáis à explicaçâo dos processos políticos. Amante da música, abordou a imbricaçâo entre cultura e açâo política valendo-se da noçâo de "repertorio".
PASSOS
Charles Tilly (1929-2008) escreveu muito sobre muitas coisas: de desigualdade à urbanizaçâo, de metodología à formaçâo dos Estados nacionais, sobre guerra, violencia coletiva e conflitos políticos, e se estabeleceu como um dos grandes nomes da sociologia da segunda metade do século XX. Aluno de Barrington Moore, Tilly se engajou desde os anos 1970 na pesquisa de mobilizaçôes so- ciais, num antifuncionalismo feroz - registrado no nome de capítulo de seu As sociology meets history (1981): "Useless Dürkheim".
Tilly se amparou nos outros dois clássicos para afirmar a prevalência do conflito como fenómeno estruturador da vida social. Pendeu, sobretudo, para o lado de Weber, ao enfatizar a lógica intrínseca dos conflitos políticos. Em vários escritos ao longo de très décadas, Tilly formulou sua Teoria do Processo Político (depois renomeada Teoria do Confronto Político), que explica o surgimento e o desenrolar de mobilizaçôes coletivas mediante a reconstruçâo do contexto político, ou da estrutura de oportunidades e ameagas políticas, principalmente as relaçôes de força entre as autoridades - grupos ocupando cargos no Estado -, e os desafiantes - que se encontram do lado de fora. Decisiva nesta relaçâo seria a capacidade (ou perda déla) repressiva das primeiras e a disponibilida- de, para os segundos, de aliados potenciáis dentre setores dissidentes da elite no poder. Além desta janela de oportunidades, para a açâo política coletiva se consubstanciar, os desafiantes teriam de criar ou se apropriar de estruturas de mobilizaçâo preexistentes, como associaçôes e redes de relacionamento, que dessem as bases organizacionais para a movimentaçâo.
Os conceitos de estrutura de oportunidades políticas e de estruturas de mobilizaçâo davam conta das dimensöes diretamente políticas da mobilizaçâo. Faltava, contudo, noçâo para tratar da faceta cultural nela envolvida. Ai mora- va o problema. Urna linha de vinculaçâo entre cultura e conflito, quando Tilly adentrou o assunto nos anos 1970, vinha das reelaboraçôes complicadas do já muito criticado conceito de ideología. Doutro lado, estava o parsonianismo, que Tilly execrava, com sua sobrevalorizaçâo do papel integrador da cultura, substi- mando agency [agencia] e conñito na explicaçâo. A terceira via do interacionismo simbólico de Erving Goffman frisava justo a agency, as capacidades cognitiva e interpretativa dos atores sociais, ñas interaçôes conflituosas rotineiras, mas se centrava demais no agente para caber no esquema estruturalista tillyano.
Tilly, entäo, buscou amparo na historiografía francesa da escola dos Annales, que atentava para a longue durée dos processos culturáis e a relacio- nava com transformaçôes sociais de largo escopo. Mas enquanto os franceses falavam de "mentalidades" para designar as maneiras de pensar e viver de urna época inteira, Tilly queria assinalar as formas especificamente políticas de agir. Emprestou, entäo, da música a noçâo de "repertorio" para designar o pequeño leque de maneiras de fazer política num dado período histórico. O conceito ressaltava a temporalidade lenta das estruturas culturáis, mas dava espaço aos agentes, pois que a lógica volátil das conjunturas políticas os obrigaria a escolhas continuas, conforme oportunidades e ameaças cambiantes - em con- textos democráticos, passeatas säo mais seguras que guerrilhas; em contextos repressivos, pode bem ser o contrário.
O conceito de "repertorio de açâo coletiva" visava, entäo, incluir cultura na teoria tillyana do processo político. Nasceu miúdo e cresceu, em reformulaçôes sucessivas, no passo em que cresceu o proprio interesse tillyano na maneira pela quai a cultura molda possibilidades de açâo no curso dos conñitos políticos.
PASSO 1: REPERTORIO DE AÇÔES COLETIVAS (ANOS 1970)
Tilly construiu sua teoria da mobilizaçâo política rechaçando explicaçôes eco- nomicistas, deterministas e psicossociais da açâo coletiva. Nesta conversa, apareceu a noçâo de "repertorio de açôes coletivas". Foi em 1976, em Getting together in Burgundy - 1675-1975. Tilly entäo compilava conflitos na imprensa oitocentista, em busca de padröes de açâo coletiva. O conceito os descrevia, mas sem definiçâo precisa, reportando "meios definidos de açâo coletiva" e "um repertorio familiar de açôes coletivas que estäo à disposiçâo das pessoas comuns" (Tilly, 1976: 22), num dado momento histórico.
O autor abria ai agenda longeva e de dois eixos: a correlaçâo entre mu- dança de repertorio e mudança social, económica e política, e o uso dos reper- torios conforme as oportunidades políticas (Tilly, 1976: 22). Nasceu entäo sua primeira tipología de dois repertorios sucessivos, um "do antigo regime", outro "popular" (Tilly, 1976: 29 e 35).
No clássico F rom mobilization to revolution, de 1978, dedicado a construir sua teoria da mobilizaçâo política, o termo reapareceu, generalizado:
Num dado ponto do tempo, o repertorio de açôes coletivas disponível para urna populaçâo é surpreendentemente limitado. Surpreendente, dadas as inúmeras maneiras pelas quais as pessoas podem, em principio, empregar seus recursos ao perseguir fins comuns. Surpreendente, dadas as muitas maneiras pelas quais os grupos existentes perseguiram seus próprios fins comuns num tempo ou noutro (Tilly, 1978: 151-152).
Limitado porque demarca conjunto finito de maneiras históricamen- te inventadas de açâo política, mas ampio, porque abarca várias culturas na mesma época:
A maioria dos norte-americanos do século XX, por exemplo, sabe como [...] organizar diferentes formas de manifestaçâo: as marchas, as assembleias com discursos, a ocupaçâo temporária de edificios. [...]. Várias formas de manifestaçâo pertencem ao repertorio norte-americano do século XX - para nao mencionar o canadense, japonés, grego, brasileiro e muitos outros. O repertorio também inclui diversas variedades de greve, envió de petiçôes, organizaçâo de grupos de pressâo, e urnas tantas outras maneiras de articular queixas e demandas (Tilly, 1978: 151-152).
O repertorio é, entäo, um conjunto de formas de açâo. Urna metáfora esclarece seu funcionamento: "Ele lembra urna linguagem rudimentär: täo familiar como o dia para seus usuários, e com toda a sua possível esquisitice [quaintness] ou incompreensibilidade para um estrangeiro" (Tilly, 1978: 156). Como a lingua, vale para muitos e dura muito. Renova-se aos poucos. Tilly fala de mudança lenta, associada äs grandes transformaçôes sociais moder- nas - urbanizaçâo, industrializaçâo, formaçâo do Estado nacional. O repertorio muda por "estandartizaçâo" ou "rotinizaçâo" (Tilly, 1978: 161 e 159), no sentido weberiano, conforme o uso, que adiciona novas formas de açâo bem-sucedidas e subtrai as menos eficientes.
Mudanças que custam a sedimentar. Tilly distingue dois tipos históricos de repertorio, um para o século XVIII, outro para o XIX. O conceito é entäo epocal, de escopo largo. Mas há sugestäo de repertorios em convivencia, peculiares a grupos de atores - a greve e os proletários -, ou a posiçôes no espectro políti- co - o "rígido", típico das autoridades, e o "ñexível", a alternativa dos grupos fora das instituiçôes políticas (Tilly 1978: 155-156). A distinçâo de polarizaçôes políticas no uso de recursos culturáis vinha afastar qualquer semelhança com um sistema de valores unificador, à moda parsoniana; apontava para o império dos conñitos mesmo no campo da cultura.
A greve é o grande exemplo tylliano. Cabe como urna luva para eviden- ciar um repertorio de açâo coletiva oitocentista. Repertorio restrito a sintaxe, que os agentes preenchem com sua semántica. O flash vai para a pragmática, para o que as pessoas/azem durante um conflito. Tilly menciona símbolos, mas privilegia práticas - como as passeatas. O repertorio surge como aglomerado de instrumentos para realizaçâo de interesses, sem significado em si mesmo.
Tilly näo detalha o processo de apropriaçâo do repertorio pelos atores. Sabe-se que a relaçâo é contingente, a escolha das formas depende de contexto, interlocutor, nivel da açâo. O ponto, neste momento, é evidenciar a existencia de padröes de açâo coletiva compartilhados - näo seu uso.
Desta primeira formulaçâo, sobra matéria aludida sem destrinchamen- to. Urna ambiguidade paira sobre a cobertura da noçâo: repertorio é comum a época inteira, partilhado por todos, ou relativo a atores particulares? Outro nó é o de sua circulaçâo e uso, ou como membros da vida social conhecem, manejam e transformam repertorios. Há mençâo ao "contágio" entre grupos e países como à invençâo independente de mesmas maneiras em contextos dispares. Urna resposta difusionista, outra estruturalista. Como se conciliam ambas näo se esclarece.
O enquadramento mais ñas formas que nos conteúdos denuncia marca estrutural de nascença. Mas estruturalismo histórico, porque as formas de açâo presentes se inventaram no curso de conñitos políticos passados.
PASSO 2: REPERTORIO DE CONFRONTO (ANOS 1990)
Repertorio seguiu salpicando textos tillyanos sem teorizaçâo específica. Nos anos 1990, ilhado num mar de culturalistas, Tilly se viu compelido a voltar ao tema. A visada sobre as mobilizaçôes coletivas da Teoria dos Novos Movimentos Sociais se implantara na New School, em Nova York, onde estavam Jean Cohen e Andrew Arato, epígonos da entäo novíssima teoria da sociedade civil. Cohen, em 1985, organizara dossiê da revista da instituiçâo, a Social Research, sobre movimentos sociais. Seu artigo sintetiza o ataque culturalista a Tilly, coautores e seguidores: sua análise das mobilizaçôes sobrevalorizaria dimensöes estraté- gicas, deixando o simbolismo de lado.2
Tilly respondería em sequência de très artigos, nos quais o que era "repertorio de açâo coletiva" ressurge como "repertorio de confronto".3 Esta adjetivaçâo responde à crítica de que o conceito trataría de dinámicas cultu- ráis, sem se fazer acompanhar de urna teoria da cultura. A especificaçâo "de confronto" estreita o terreno, Tilly, assim, finca pé na sociologia política e dribla controvérsias da sociologia da cultura. Em "SM as historically specific clusters of political performance", de 1993-1994, a definiçâo segue ressaltando formas de açâo compartilhadas (Tilly, 1993-4: 41), sem mencionar formas de pensar - voliçôes, preferencias, valores ou crenças.
Os artigos gêmeos, "Contentious repertoires in Great Britain, 1758-1834", versäo 1993 e versäo 1995, alteram este quadro, com um melhoramento teórico, outro empírico.
A ambiguidade anterior, entre repertorio de ator e de época, se esclarece: um repertorio näo é peculiar a dado grupo, mas a certa estrutura de conflito. É sempre compartilhado:
[...] minha primeira formulaçâo pressupunha que um ator singular (individual ou coletivo) possuía um repertorio de meios e o empregava estratégicamente. Foi um erro. Cada rotina no interior de um repertorio estabelecido de fato consiste de urna interaçâo entre duas ou mais partes. Repertorios pertencem a conjuntos de atores em conflito, nâo a atores isolados (Tilly, 1995: 30).
O estruturalismo cede, com assimilaçâo aggiornada do interacionismo simbólico. Termos aqui e ali - "arranjos sociais", "rotinas" - däo a pista, assim como a atençâo para interaçôes face a face e performances individuáis4 (Tilly, 1995: 26-27). O conceito se torna relacional, iluminando a interaçâo dos atores, nunca suas açôes isoladas.5
Regressa a velha metáfora: o repertorio é urna linguagem, estrutural e estruturante.6 Mas com tónica nova: a imagem agora apela tanto para a per- manencia quanto para o uso. O repertorio é conhecimento social sedimentado, "entendimentos, memorias e acordos compartilhados", "relaçôes sociais, sig- nificados e açôes amalgamadas em padrôes conhecidos e recorrentes" (Tilly, 1995: 30 e 27). Mas só vive quando ativado pelo uso, que faz a lingua variar na fala, em dialetos, em sotaques. Para bem marcar, Tilly estofa esta metáfora com outras. Como no jazz, as "rotinas" de interaçâo conñituosa, cheias de incidentes e contingencias, obstam a repetiçâo automática do repertorio; antes, convidam os agentes a interpretar e improvisar. O andamento interacionista se estica na alegoria teatral: "Como suas contrapartes teatrais, repertorios de açâo coletiva designam näo performances individuáis, mas meios de interaçâo entre pares de grandes conjuntos de atores. Urna companhia, näo um individuo, mantém um repertorio" (Tilly, 1995: 27).
Semántica e agency aparecem: o repertorio delimita o espectro de rotinas disponíveis, mas faculta aos agentes executá-las à sua maneira e escolher dentre elas estratégicamente, norteados pelo andamento da interaçâo, com as opçôes dos contendores em ajuste recíproco e continuo - bombas de gás lacrimogêneo da polícia revidadas com pedradas dos manifestantes, ou vice-versa:
[...] as pessoas num dado tempo e lugar aprendem a executar um número limitado de rotinas de açâo coletiva alternativas, adaptando cada urna a circunstâncias imediatas e às reaçôes de antagonistas, autoridades, aliados, observadores, objetos da açâo, e outras pessoas de alguma maneira envolvidas na luta (Tilly, 1995: 27).
A margem para interpretar e adaptar elucida como, apesar de dividirem um repertorio, antagonistas se valem de rotinas diferentes ou das mesmas diferencialmente - um abaixo-assinado pró ou contra o aborto. O uso conféré o sentido da açâo.
Que conceito resulta desta nova embocadura?
A palavra repertorio identifica um conjunto limitado de rotinas que sao aprendidas, compartilhadas e postas em açâo por meio de um processo relativamente deliberado de escolha. Repertorios sâo criaçôes culturáis aprendidas, mas eles nâo descendem de filosofía abstraía ou tomam forma como resultado da propaganda política; eles emergem da luta. [...] Em qualquer ponto particular da historia, contudo, elas [as pessoas] aprendem apenas um pequeño número de maneiras alternativas de agir coletivamente (Tilly, 1995: 26, grifo meu).
Definiçâo com diferença sutil em relaçâo à de 1993: "outlines" - contorno, esboço, resumo - dá lugar a "rotinas", termo caro ao interacionismo simbólico, remetendo ao hábito, ao costume, à tradiçâo, à memoria, à convençâo, isto é, à cultura. Grande distância separa o repertorio de formas de açâo ["means"], de 1978, conceito vazado, da noçâo encarnada de "rotinas de interaçâo", que abarca sentidos reciprocamente produzidos num conflito. Sua unidade passa a ser as rotinas convencionais - no sentido de tradicionais e de legítimas - de intera- çâo política típicas de urna época, ativamente adaptadas pelos agentes às suas circunstâncias e modificadas pelo uso.7
Os escritos tillyanos dos anos 1990 retomam o tema da mudança, inovaçâo e difusäo de repertorios, sublinhando o jogo estrutura e agency, longa e curta duraçâo. O repertorio de urna época é limitado - pequeño conjunto de rotinas de interaçâo que sobreviveram ao teste da experiencia - e limitador da capaci- dade inovadora dos atores, "eles geralmente inovam no perímetro do repertorio existente em vez de romper inteiramente com as maneiras antigas" (Tilly, 1995: 27-28). As rotinas decantadas no repertorio - como tradiçâo ou memoria política (Tilly, 1995: 27) -, contudo, só ganham vida se interaçôes presentes se valerem délas. Como cada uso é peculiar - sempre reconhecemos urna passeata, sem que ela seja exatamente igual a nenhuma outra -, variaçôes se inventam no curto prazo. No longo, sobrevivem e se difundem inovaçôes bem-sucedidas, "emprestadas" por outros atores em novas circunstâncias.
Esta explicaçâo histórico-estrutural da mudança dos repertorios é aba- lizada por banco de oito mil conflitos, garimpados em dez jomáis británicos, de 1758 a 1820 e de 1828 a 1835. O caudaloso material forra a tese de um ponto de viragem entre dois macrorrepertórios de açâo coletiva no Ocidente. Um paroquial, típico até o século XVIII, seria comunitário, visando assuntos locáis; particular, com formas de protesto variáveis conforme lugar, ator e situaçâo; e "bifurcado", pois que questöes locáis suscitariam açâo direta, ao passo que as nacionais seriam mediadas por autoridades ou potentados locáis. Nesta modalidade, Tilly (1995: 33) incluí manejo de símbolos, perturbaçâo de cerimónias, invasóes de terra, destruiçôes de estoques e propriedades, com farto uso de violencia. Seu exemplo säo os "food riots", contra o preço de alimentos, mas também distúrbios em mercados, igrejas, festivais, em pequeñas localidades, contra a cobrança de impostos e o alistamento militar, isto é, formas de resistencia tópica ao processo de centralizaçâo política, que consolidava a autoridade de um Estado nacional.
Um novo repertorio nasce no século XIX, depois de consolidados o Esta- do nacional centralizado e a sociedade urbano-industrial na Europa, pois "um estado crescentemente mais poderoso e exigente inspira urna nova forma de política. O repertorio muda em conformidade" (Tilly, 1995: 35). Passou a nacio- nal, com assuntos transversais às localidades e a reverberar a agenda do par- lamento - direitos de minorías religiosas, reformas parlamentares, escravidäo, impostos. E a "modular", pois mesmas formas - organizaçâo de associaçôes e sindicatos, manifestaçôes públicas, greves, passeatas, comicios, reunióes em pubs e cafés - serviriam a variados lugares, atores e assuntos e com menos violencia (Tilly, 1995: 34).
Mudança estrutural e mudança cultural se conectam. Apoiado nos casos da Inglaterra e da França, Tilly distingue, assim, dois grandes grupos de formas de açâo política ocidentais, um que antecede, outro que sucede as transforma- çôes que geraram a sociedade moderna. É 1830 aproximadamente o ponto de passagem, quando formas organizacionais e rotinas de interaçâo confrontacional hoje triviais - partidos políticos, associaçôes voluntárias, sindicatos, movimen- tos sociais, passeatas, greves e comicios (Tilly, 1995: 37) - teriam ascendido a maneiras generalizadas e socialmente legítimas de expressar reivindicaçôes.
Estes artigos dos anos 1990, entäo, consolidam explicaçâo histórico- -estrutural para origem e mudança de repertorios e sofisticam o conceito, daí por diante propagado por seu autor e seguidores em trabalhos empíricos.
Conceito igualmente criticado. É que o empenho teórico em imantá-lo com cultura pela adiçâo de rotinas pouco afetou a pesquisa empírica: os exem- plos históricos arrolados seguem, quai em 1976, formas de açâo - passeatas, greves, manifestaçôes de rua. Cultura aparece como prática, sem dimensöes cognitivas, afetivas, simbólicas ou moráis. O sentido, por exemplo, ritual, das açôes nunca entra em consideraçâo.
PASSO 3: REPERTORIO E PERFORMANCE (ANOS 2000)
De fins dos anos 1990 até sua morte, em 2008, Tilly retomou o conceito de repertorio em configuraçâo nova: intelectual consolidado, estrela do departa- mento de sociologia da Universidade de Columbia, acumulando premios nos Estados Unidos e na Europa, traduzido em várias línguas e emulado por legiäo de seguidores. Desta posiçâo de mérito reconhecido e autoridade avalizada, e apressado pelo cáncer, Tilly escreveu livros de consolidaçâo de seus assuntos prediletos e em autorrevisionismo, respondendo ao cenário político-intelectual do século XXI.
Com o 11 de setembro, a sociologia política se interessou pelas açôes políticas violentas de nivel global, ampliando seu escopo para além de con- flitos sociais nacionais. Estudos sobre a globalizaçâo reavivaram o interesse pela difusäo de açôes e ideias entre esferas nacional e supranacional. Um dos livros de Tilly no novo milenio, com Sidney Tarrow e Doug McAdam, Dynamics of contention (2001), anda nestas duas direçôes, no anseio de abarcar todas as formas de mobilizaçâo e contramobilizaçâo, em escala planetária, numa única teoria do confronto político.
De outro lado, uma concepçâo mais ampia de cultura se impôs nas expli- caçôes das mobilizaçôes políticas. O assunto quente do momento, o terrorismo islámico global, mais os "cultural studies" resultantes do surto pós-estruturalista anterior, e o sucesso da grande síntese teórica de Bourdieu, que postula a cultura como campo de conflito, puseram os temas culturáis no centro dos debates na sociologia política. Surgiram, entäo, novas noçôes ambicionando ajuntar cultura e açâo política. Jasper (2007) chama a atençâo para a eclosäo de abordagens construcionistas, apropriando-se do conceito goffmaniano de "frames" para investigar como injustiças sociais säo percebidas cognitivamente, construidas discursivamente e difundidas via mídia, movimentos sociais e Estado (por exem- plo, Snow & Benford, 2000). Cresceram também análises de retórica e semántica de discursos políticos e de narrativas de ativistas (Poletta, 2006); estudos sobre a presença de emoçôes coletivas nas mobilizaçôes (Jasper & Goodwin, 2004); rituais de açâo política (Alexander, 2006); e identidades coletivas produzidas por meio da açâo política (Melucci, 1995).
A abordagem estrutural da mobilizaçâo política, que Tilly inicialmente professara, sofreu sob esta vergasta culturalista. Nos últimos livros, admitiu excessos de estruturalismo e abriu ainda mais espaço à agency na análise das interaçôes conflituosas. Isto sem beirar o construcionismo extremo (a realidade social como construçâo subjetiva dos agentes), andando antes na trilha de um "realismo relacional", que admite interpretaçôes diferenciáis, um perspectivis- mo, mas de situaçôes sociais tangíveis, objetivas (Tilly, 2006: 47-48). Com esta nova abordagem,Tilly retomou o conceito de repertorio, acoplando a ele a noçâo de performance e engolfando-o numa teoria da difusäo.
Nos primeiros textos, o alvo de Tilly era detectar invariâncias de formas de açâo em diferentes localidades e circunstâncias; nos últimos, é o uso do repertorio em conñitos políticos, como os agentes o manejam em suas "per- formances". Este par (Tilly, 2008: xiv) tardío de repertorio, outra ressonância de Goffman, vem desengessar seu estruturalismo politico.
O capítulo final de Identities, boundaries & social ties (2005) - "Invention, diffusion and transformation of the social movement repertoire" - marca este passo. Ai o repertorio de confronto surge como "conjunto variável de perfor- manees" (Tilly, 2005: 216). Mas o raciocinio fica em suspenso, com a atençâo posta na difusäo de repertorios, caso da classe mais geral dos processos de "transferencia política". A teoria se ilustra com a historia de urna performan- ce, a manifestaçâo de rua. Evoluiu a partir de "tradiçôes nacionais" distintas, aparecendo similar, no fim do século XIX, em países nórdicos, na França, na Inglaterra e em suas colonias inglesas (Tilly, 2005: 219). Quando transferida a novo lugar, regime, assunto ou ator, a manifestaçâo de rua sofreria processos de negociaçâo e adaptaçâo e seria condicionada pela "cultura local" (Tilly, 2005: 222-223). Assim, as performances que compóem o repertorio teriam duas faces. "Modulares", porque se pode reconhecer a mesma manifestaçâo de rua em dife- rentes contextos. Mas cada quai é singularizada pelo uso, que agrega "símbolos e segredos locáis" (Tilly, 2005: 223).
A transferencia de repertorios envolve, entäo, escolhas e criatividade: "Muitas transferencias políticas se centram em programas ou práticas específicas e envolvem deliberaçâo consciente no ponto de chegada sobre se adotar um item e como [...]" (Tilly, 2005: 217). Escolha que encontra limites na tradiçâo nacional e na cultura local, como nos constrangimentos da estrutura de oportunidades políticas e nos posicionamentos dos antagonistas. Embora sem definir, nem problematizar, Tilly, por primeira vez concede relevância explicativa à tradiçâo.
Neste texto, Tilly também esboça seis mecanismos que, isolados ou com- binados, estruturariam as transferencias políticas: a "inovaçâo tática", a modi- ficaçâo de urna rotina de interaçâo conhecida, como a substituiçâo de símbolos näo verbais por outros escritos (caso dos slogans) ao longo do século XIX; a "bar- ganha", a negociaçâo da performance - os limites de urna passeata acertados entre manifestantes e polícia - no curso da interaçâo; a "difusäo negociada", a decisäo de adotar inovaçâo tática de outro grupo, lugar e assunto; a "mediaçâo" [brokerage], quando um intermediário conecta dois atores, grupos, lugares antes isolados facilitando a circulaçâo de repertorios; a "certificaçâo/descertificaçâo", urna autoridade social ou política endossa/condena a performance; e a "adap- taçâo local", modificaçâo de urna inovaçâo tática produzida alhures via adiçâo de símbolos, rituais, pessoas ou conexóes sociais locáis (Tilly, 2005: 223-224).
Em Repertoires and regime, livro de 2006, consolida-se a teoria dos reper- torios, que revisa e amplia reflexöes dispersas em escritos anteriores,8 em très frentes. Urna é a especificaçâo do conceito. A ideia de repertorio como conjun- to de performances se desenvolved Performance suplanta rotina como unidade mínima do repertorio, num esforço para adendar significados a repertorio, assimilando temas afins com a sociologia da cultura, mas sem adentrar os me- andros da discussäo semántica. Assim, "identidade" é o que os atores definem como tal num conflito particular, por contraste e confronto com grupos rivais. Conceito relacional, näo substantivo. Idem para "programa". Para Tilly, sentidos säo inapartáveis das práticas, por isso, o melhor acesso a eles é a análise de performances - näo de discursos.
Apresentar urna petiçâo, fazer um refém, ou organizar urna manifestaçâo consti- tuem urna performance vinculando pelo menos dois atores, um reivindicador e um objeto das reivindicaçôes. [...]. Performances se aglutinam em repertorios de rotinas reivindicatorías que empregam os mesmos pares de objeto de reivindicaçâo: patröes e empregados, camponeses e proprietários de terra, facçôes nacionalistas rivais, e tantos outros (Tilly, 2006: 35).
As metáforas do jazz e do teatro retornam para descrever a relaçâo reper- torio/performance, com a novidade do script - outra reverberaçâo goffmaniana, sem que Goffman seja citado:
Se olharmos de perto uma reivindicaçâo coletiva, veremos que casos particulares improvisam a partir de roteiros [scripts] compartilhados. [...]. A metáfora teatral chama a atençâo para o caráter agrupado, aprendido, e ainda assim improvisado das interaçôes [...]. Reivindicar usualmente se parece com jazz e commedia dell'arte mais do que com a leitura ritual de uma escritura sagrada. Como um trio de jazz ou grupo de teatro de improviso, as pessoas que participam em política confron- tacional normalmente podem atuar em diversas peças, mas näo numa infinidade délas [,..]10 (Tilly, 2006: 35).
Distinguir teatro e ritual11 visa a acentuar criatividade e improviso, em vez de repetiçâo, no uso do repertorio, bem como enfatizar a margem de manobra dos atores, sua interpretaçâo singular do script - fórmula de açâo prevista no repertorio. A criatividade envolvida ñas performances é tal, que cada uma se particulariza. Esta tónica na agency se vislumbra, por exemplo, na afirmaçâo de que o repertorio inglés do século XIX só surgiu porque "novos usuários", defron- tados com tarefas novas, julgaram os instrumentos disponíveis "inadequados para seus problemas e habilidades" (Tilly, 2006: 55).
O repertorio aparece agora como feito e refeito, numa "historia de con- tinua inovaçâo e modulaçâo" (2006: 55). Inovaçâo abordada de dois ángulos. Na rotina social, o improviso dos atores modifica ligeiramente as performances previstas no repertorio. Já ñas crises e ciclos de protesto, há variaçôes rápidas ñas oportunidades políticas que, apreendidas diferencialmente pelos atores conforme a posiçâo que ocupam, geram uma clivagem. Detentores de poder tendem a repetir estratégias bem-sucedidas no passado, fixando-se em re- pertorios rígidos; já os desafiantes adotam repertorios flexíveis (ou/ortes), pois lhes interessa o fator surpresa que a inovaçâo pode trazer. Na desmobilizaçâo, algumas inovaçôes se decantam como componentes do repertorio, outras de- saparecerá (Tilly, 2006: 44-45).
O que tria as duráveis das efémeras? No plano micro, interesse e eficácia: perdura a inovaçâo vantajosa para atores. Do ponto de vista macro, decantam as performances modulares - ponto desenvolvido por Tarrow (2009) -, que podem servir a muitos atores, assuntos, situaçôes: a queima de sutiäs das feministas encontra raras ocasióes de uso fora de seu contexto de origem; já a resistencia passiva de Gandhi pode ser usada por muitos movimentos. A modularidade facilita a transposiçâo.12
A transferencia de repertorios é, entäo, processo relacional e disputado (pelos agentes em interaçôes conñituosas), histórica e culturalmente enraizado (o peso da tradiçâo) e condicionado pelo ambiente político nacional (as estruturas de oportunidade). Experiencias sociais específicas requisitam as transferencias e condicionam a adoçâo, pois que os atores em litigio lidam com o repertorio como os músicos de jazz com suas partituras: triam, mitigam, acentuam, exage- rara, conforme seus parceiros e seu público. Longe de espontáneo e solipsista, o improviso é calculado e orquestrado entre os membros da banda, para produzir certo efeito. O jogo entre a fórmula e a circunstância dá äs performances duas caras, simultáneamente modular e singular.
O improviso dos atores ao criarem e recriarem interaçôes sociais so- be a assunto central em Contentious performance13 (2008), última e, opiniäo de Tarrow (2008), melhor obra de Tilly e seu derradeiro "esforço para explicar, verificar e refinar os conceitos gêmeos de performance e repertorio" (Tilly, 2008: xiv).
O argumento pouco muda em relaçâo ao livro anterior: repertorios säo aprendidos durante performances confrontacionais - só se aprende a marchar, marchando - e performances modificam os repertorios, continua e incremen- talmente.14 Continuidade e improviso (Tilly, 2008: 13-14). Mas a proeminência fica agora toda no uso: "No interior de um limitado conjunto [o repertorio], os atores escolhem quais peças iräo encenar aqui e agora, e em qual ordem" (Tilly, 2008: 14). Escolha, interpretaçâo, compreensäo, improviso, aprendizagem säo termos que trazem para a abordagem dos processos políticos os contextos de microinteraçâo social, a vida vivida. As contingencias importam e muito.
De outra parte, Tilly acata as tantas críticas contra si por ignorar as narrativas dos agentes e se pöe a trabalhar com elas (Tilly, 2008: 44). À sua maneira. De seu banco de dados gigante sobre "encontros confrontacionais" na Inglaterra oitocentista, destaca ñas noticias de jornal os verbos que descre- vem as açôes e os categoriza - ataque; barganha; apoio. Com estes tipos empí- ricos demonstra de novo, na base da análise de discurso, o que demonstrara antes, analisando só açôes: a passagem de um tipo a outro de repertorio, do paroquial ao cosmopolitano (Tilly, 2008: 31-61). Tilly prova, assim, duas coisas, que sabe fazer análise de discurso täo bem quanto seus críticos e que a máxi- ma valia que se pode tirar desta técnica é a mesma que se afere analisando interaçôes. Como método, Tilly sempre confiou no levantamento de eventos, agora agregados em "episodios de confronto", mais que ñas narrativas deles, porque concebía como unidade básica da vida social as interaçôes conñitivas, näo os discursos, daí sua defesa da "[...] necessidade de sólida evidencia acer- ca da confrontaçâo popular como um baluarte contra o ceticismo pós-moder- no" (Tilly, 2008: 65).
Contudo, em seus últimos escritos, o interesse de Tilly pelas justifi- cativas que os agentes constroem para suas açôes inflou a ponto de dedicar- -lhes dois livros - Why? e Contentious conversations. Este passo e a simpatia pela "economia moral" de Thompson säo indicios de que Tilly talvez adentrasse, se vivesse mais, as discussôes sobre a moralidade.
Esta última abordagem tillyana dos repertorios privilegia, entäo, o im- proviso, a capacidade dos atores de selecionar e modificar as performances de um repertorio, para ajeitá-las a programas, circunstância e tradiçâo locáis, isto é, ao contexto de sentido daquele grupo, naquela sociedade. O repertorio só existe encarnado em performances confrontacionais. Tilly nunca arredou pé do postulado de que o eixo fundamental da vida social é o conflito, que ganha formas históricas peculiares. Qualquer invençâo, uso, mudança de repertorios só podem ser entendidos neste esquadro histórico e relacional, que póe o con- fronto em primeiríssimo plano.
Embora este livro funcione como amarrilho de pontas soltas na análise de repertorios e performances,15 movimentos sociais e regimes políticos - e Tilly soubesse que era o seu último -, näo sucumbiu à tentaçâo da última palavra. Antes, multiplicou perguntas acerca do ritmo e modo da inovaçâo, da transfe- rencia e adaptaçâo de repertorios entre grupos, assuntos, regióes, países; do aprendizado, efetividade e impacto das performances sobre os atores que a mobilizam, autoridades, competidores, adversários, expectadores (Tilly, 2008: 28). Questóes para as quais as respostas tillyanas deixavam insatisfeito o pro- prio Tilly, que encerrou o livro e a vida convidando outros a prosseguir com a tarefa: "[...] um livro que näo levanta novas questóes irresolvidas näo merece ser escrito... ou lido!" (Tilly, 2008: 199).
USOS
Tilly partiu, em 1976, de uma noçâo de repertorio como formas de açâo reite- radas em diferentes tipos de conflito; abordagem estruturalista e racionalista, concentrada na ligaçâo entre interesse e açâo e privilegiando atores singulares. Trinta anos depois, o conceito se apresenta relacional e interacionista, privilegia a experiencia das pessoas em interaçôes conflituosas, e o uso e a interpretaçâo dos scripts em performances, a nova unidade mínima do repertorio. A adiçâo de performance e o olho nas interaçôes foi seu modo de adensar a agency e mitigar o estruturalismo de origem. Tilly começou botánico das formas de protesto, classificando, categorizando, discernindo padrôes e permanencias, e chegou a músico atento ao improviso e ao contingente na interpretaçâo das partituras sociais, as interaçôes.
A interpretaçâo de Tilly pode se aplicar à carreira de seu conceito, apro- priado em performances de outros intérpretes. Além da aplicaçâo ipsis Iiteris a novos casos, repertorio ganhou especificaçôes, contestaçôes, dilataçôes, usos imprevistos. Dignas de nota, me parece, säo duas variaçôes.
Uma toma o sentido primeiro de repertorio, como conjunto deformas de açâo, seja para expandi-lo, seja para contestá-lo. Elizabeth Clemens (2003) levou a fronteira empírica do conceito para além das estratégias de açâo paraparla- mentares, os exemplos tillyanos usuais, e encampou as geradas ou alteradas no interior de organizaçôes sociais, cunhando a noçâo derivada de repertorio institucional. Também Chabot (2000) extrapolou a noçâo, mudando de escala, para tratar da transferencia transnacional de repertorios, mostrando como o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos se apropriou do repertorio de resistencia pacífica criado pelo movimento de independencia da India. Jackie Smith (2001), estudando o protesto de Seattle, usou a pista tillyana da "adapta- çâo tática", a transposiçâo de formas de açâo de repertorios de nivel nacional para supranacional, para argumentar que a globalizaçâo afeta o uso e altera o repertorio de açâo coletiva. Do lado das contestaçôes, Traugott (1995) ques- tionou a divisäo de Tilly em dois repertorios históricos distintos de formas de açâo, demonstrando a permanencia das barricadas francesas na longa duraçâo. Já Stamatov (2010) acusou a exclusäo das formas de açâo religiosas, eixo do movimento anglo-americano antiescravidäo, da fatura do conceito de repertorio.
Outra apropriaçâo do conceito andou mais na direçâo dos últimos li- vros de Tilly, abarcando semántica e interaçâo. Steinberg (1995) considerou o conceito tylliano muito "instrumental" por privilegiar formas de açâo, e propos outro, complementar, "repertorio discursivo", que seriam os meios pelos quais "contendores articulam coletivamente sua moralidade de demandas e remédios e sua visäo ideológica ampia da igualdade e do direito de posse social. A luta é melhor conceitualizada como um diálogo ininterrupto entre detentores de poder e desafiantes" (Steinberg, 1995: 60). Esta perspectiva, ancorada na análise de discursos, à la Bakhtin, permitiría acessar o que em Tilly falta: a "moralidade coletiva" e a "gramática de motivos" da açâo coletiva (Steinberg, 1995: 60-61, 74). Ann Swidler (1995; 2001) foi em direçâo assemelhada, preocupada em compa- tibilizar simbolismo e estratégias de açâo. Swidler fala em repertorios culturáis como compostos por conhecimento, habilidades e símbolos, que funcionariam como "caixa de instrumentos", nos quais os agentes selecionam os seus e lhes atribuem sentidos próprios, ao montar suas estratégias de açâo. Também eu, analisando o movimento reformista brasileiro em fins do XIX, usei a especifi- caçâo de Swidler para repertorio, visando abarcar açôes e textos (Alonso, 2002). Halfmann & Young (2010), de sua parte, adicionaram moralidade ao açambarcar o conjunto de imagens e retórica disponível num dado tempo para evocar "fortes emoçôes negativas" na ideia de repertorio moral, com a quai analisaram figuras grotescas produzidas no debate sobre aborto. Embora Halfmann e Young se furtem à definiçâo precisa, tanto esta noçâo quanto a de Steinberg remetem à economía moral de Thompson, que Tilly namorava nos últimos trabalhos. Nos dois casos, o conceito quer abarcar padröes de sentido recorrentes numa época, mas usados em intençôes diversas por grupos antagónicos. Já Auyero (2004) foi pelo lado da relaçâo entre repertorio e interaçâo social, investigando o apren- dizado de repertorios em rotinas sociais e episodios de conñito na Argentina contemporánea.
Entäo, o conceito foi espichado tanto em abrangência empírica quanto em reelaboraçôes teóricas, ganhando novos usos.
Dentre os legatários da agenda tillyana, a liderança é de Sidney Tarrow, que há tempos modifica o conceito, pela adiçâo, do lado da semántica, do con- ceito goffmaniano de enquadramentos interpretativos [frame], e pelo lado da sintaxe, com o desenvolvimento da ideia de modularidade. Tarrow (1993,1998, 2010, 2008) também tem trabalhado com a inovaçâo e difusäo de repertorios, associando-as ao seu proprio conceito de ciclo de protestos.
A conciliaçâo de repertorio com frame, em que Tarrow insiste, deixava Tilly cético. Embora tenha subscrito a junçâo em livro dos dois com McAdam (2001), nunca se valeu desta soluçâo em textos solo. É que enquanto os partidários da aplicaçâo da framing analysis à interpretaçâo da açâo política exageram Goffman na direçâo cognitiva, Tilly tomou a herança interacionista pelo outro lado: o das trocas contingentes ñas interaçôes e conversaçôes sociais - seu foco em Contentious conversations. Sua atençâo para falas cresceu e muito, mas sempre as tomou como formas de interaçâo social conflituosas. Este pé fincado no mun- do das práticas nunca pisou o terreno movediço da pura análise de discurso.
A teoria tillyana dos repertorios legou agenda em duas direçôes. Uma é a casa das questóes sobre transferencia política e o peso que nela jogam a tradiçâo e as oportunidades políticas locáis ou como a experiencia pregressa peculiar de um grupo ou país define e redefine repertorios alheios. Outra é a pesquisa sobre as performances, como a experiencia presente, os sentidos e usos dos agentes em suas interaçôes confrontacionais, transforma os repertorios.
Agenda que Tilly näo quis fechar. O conceito de repertorio, como todos os tillyanos, näo é fórmula a ser aplicada a qualquer circunstância; é convite à pesquisa empírica de contextos históricos particulares, porque, embora, "[...] mecanismos recorrentes respondam pelas regularidades profundas do confronto através da historia, apenas com eles nunca seremos capazes de dar conta de assuntos, atores, situaçôes, e formas de interaçâo que caracterizam uma dada regiäo e era". Por isso, arremata com mais uma metáfora, a sociologia näo pode viver sem historia: "Como os geólogos lidando com massas de terra particulares e suas transformaçôes, näo temos escolha senäo examinar a historia relevante" (Tilly, 2006: 59).
Artigo recebido para publicaçâo em fevereiro de 2012.
NOTAS
Todas as traduçôes foram feitas livremente pela autora. [N.E.]
1 Agradeço as sugestöes de Brasílio Sallum Jr. e as recebidas em exposiçôes no seminário "A Questäo Nacional no Pen- samento Político-social Brasileiro", USP/Cedec, 2010, e no Centro de Estudos e Pesquisas em Historia da Educaçâo, UFMG, 2010, bem como por questóes levantadas por alunos de minha disciplina Cultura e Açâo Política, no Programa de Pôs-Graduaçâo em Sociologia da USP, em 2008 e 2011.
2 Trata-se do volume 52, n° 4, Winter 1985, que se abre com o longo e polémico artigo de Cohen, "Strategy or identi- ty: new theoretical paradigms and contemporary social movements". O de Tilly - "Models and realities of popular collective action" - vinha em seguida, ensanduichado entre outros aderentes da linha dos Novos Movimentos Sociais: Alain Touraine, Claus Offe e Alberto Melucci e Klaus Eder.
3 Sigo aqui a soluçâo adotada em Lua Nov a (2009), no artigo de Tilly com Sidney Tarrow e Doug McAdam, que traduziu "contention" como "confronto" e "contentious" como "confron- tacional", saída que evita a ambiguidade de "contencioso" em portugués, que remete ao vocabulário jurídico; em es- panhol, contudo, tém-se traduzido o termo tanto como "contencioso" quanto como "beligerante".
4 Os programas dos cursos de Pôs-Graduaçâo de Tilly na Uni- versidade de Columbia nesta época também o evidenciam: o de 1998 começava com Estigma.
5 Tilly em vários textos desta época se reporta ao "Manifes- to for a relational sociology", de Mustafa Emirbayer (The American Journal of Sociology, 1997, 103/2), que, por sua vez, aponta certo consenso na teoria sociológica pós-anos 1970 na direçâo de tomar as relaçôes sociais em vez de atores ou estruturas como unidade social básica.
6 "[...] um repertorio de açôes näo se assemelha à consciên- cia individual, mas a uma linguagem; embora individuos e grupos saibam e empreguem as açôes em um repertorio, as açôes conectam conjuntos de individuos e grupos" (Tilly, 1995: 30).
7 Repertorio de confronto é subtipo desta classe geral, restrito às interaçôes conñituosas: "Quando as reivindicaçôes em questäo, se realizadas, viriam a afetar os interesses de ou- tros atores, podemos falar em confronto. Assim, repertorio de confronto säo as maneiras estabelecidas pelas quais pa- res de atores fazem e recebem reivindicaçôes concernentes aos interesses uns dos outros" (Tilly, 1995: 27).
8 O título engana porque o tema central é a mudança e va- riaçâo de regimes políticos, mais que a investigaçâo dos repertorios (Tilly, 2006: 35).
9 Repertorio surge como "[...] conjunto limitado, familiar, históricamente criado de performances reivindicativas que, sob a maioria das circunstâncias, circunscreve em muito os meios pelos quais as pessoas se engajam em confrontos políticos" (Tilly, 2006: vii).
10 Este parágrafo reaparece ipsis Uteris em Contentious perfor- mances (Tilly, 2008: 14).
11 Maneira pela quai Tilly se afasta da análise neodurkhei- miana da política à la Jeffrey Alexander (2006), com seu foco nos rituais.
12 Em Repertoires and regime, a teoria das transferencias de repertorios volta, amparada em exemplos de várias partes do mundo do século XVIII ao XXI. E Tilly (2006: 41, 56-58) torna a associar repertorios e mudança social, com foco na afinidade entre tipos de repertorio e tipos de regime político. Pedaços da historia recente de Peru, Uganda, Estados Uni- dos, Marrocos, Jamaica, India ilustram como a diversidade de regimes políticos conforma ou requisita modalidades peculiares de repertorios de confronto. Reassoma a tese das oportunidades políticas: conforme a repressäo/faci- litaçâo dos governos (Tilly, 2006: 74-75) as performances reivindicatórias ["claim-making performance s"] se dividiram em prescritas, toleradas e proibidas, e os repertorios em tipos, conforme combinaçôes entre grau de democracia (governos democráticos e näo democráticos) e capacidade (alta ou baixa) do governo. Retorna, portanto, a tipología de repertorios, com nome novo à modalidade contemporánea: cosmopolitano (Tilly, 2006: 54).
13 Apesar deste título, Tilly (2008: xv) se furta a discutir defini- çôes de performance que näo a propria: "Com algum pesar, decidí näo me engajar na vasta, caótica e escassamente conectada bibliografía sobre performance como um aspecto organizador da vida social".
14 "Os participantes improvisam constantemente de duas maneiras diferentes: descobrindo como modelar as rotinas disponíveis para comunicar suas reivindicaçôes, e respon- dendo äs reaçôes das outras pessoas [...]" (Tilly, 2008:11-12).
15 Volta a tipología dos repertorios - fraco e forte/rígido - e a ideia de repertorios comuns näo a todos os atores de uma dada época, mas a pares de atores em interaçâo conflituosa (Tilly, 2008; 15, 27, 78).
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Angela Alonso é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Säo Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
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Copyright Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Jun 2012
Abstract
Based upon a reconstruction of various formulations of the concept of repertoire in the sociological work of Charles Tilly from the 1970's until his last studies in 2008, this article problematizes the consideration of a cultural dimension in the explanation of political processes. It shows how Tilly departed from a notion of repertoire as forms of reiterated actions within different types of conflict, which indicates a structuralist and rationalist approach in joining interest and action and privileging individual actors. Thirty years later, "repertoire" becomes a relational and interactionist concept, privileging the experience of people in contentious interactions, and the use and interpretation of scripts in performances.This reconcepualization refocusses attention upon agency and deviates from Tilly's previous structuralism. This article argues that Tilly's reinterpretation of the concept can be applied to its history, its appropriation in performances of other interpreters. Besides its application to new cases, the concept of repertoire received new specifications, contestations, amplifications and was put to unpredicted uses. [PUBLICATION ABSTRACT]
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