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A expressäo "olhar obliquo", nao é, evidentemente, de nenhum modo nova, especialmente para brasileiros. Ao ouvi-la, um dos mais célebres personagens femininos de nossa literatura, se nao o mais célebre, a Capitu de Dom Casmurro, imediatamente se perfila em nosso imaginario com sua caracterização mais forte: seus "olhos de ressaca", "seus olhos obliquos". Muito se escreveu, tem-se escrito e continuará escrevendo-se sobre esse romance e esse personagem no Brasil e fora de nossas fronteiras. O "olhar obliquo" de Capitu tem-nos acompanhado há mais de um século e, tal como o olhar da esfinge de Tebas, aguarda, impassível dentro de seu misterio intransponível, o incauto visitante estrangeiro às aguas da literatura brasileira.1
O "olhar obliquo" que trago para esta discussão, nao deixa de conter esse componente de percepção transversal; contudo, é antes o modo como o "sujeito", ou o "eu", percebe e elabora seu conceito do "outro", e não o entendimento que aquele que olha esconde ou dissimula, que propriamente me interessa. Examinar a representação do "outro", tendo-se em conta as generalizcões, o desconhecimento e os preconceitos que o "eu" observador traz em sua bagagem cultural, é o sentido que quero dar a esse "olhar obliquo". Proponho utilizar a expressäo "olhar obliquo", assim definida, como um recurso epistemológico para averiguar de que modo nos percebemos, brasileiros e hispano-americanos, uns aos outros, vizinhos que somos, mas de costas voltadas um para o outro. Essa forma de olhar-nos, ou melhor, de nao nos olhar, que atribuo à expressão "olhar oblíquo", pode-se, concretamente, mapear nos discursos que, cada quai, a seu modo, separados pelos limites geográficos, lingüísticos e culturáis, e ultimamente migratorios de lusófonos e hispanófonos das Americas, produz do "outro".
Num princípio, por ser minha área de estudos a literatura, interessa-me o discurso literario, aquele em que o "vizinho ao lado", com suas feições, psicologia, modos de agir e perceber o mundo à sua volta, está representado na literatura do "outro", que o vé do lado de là, muitas vezes sem conhece-lo, apenas norteando-se por esteriótipos e pré-conceitos. Visäo, portante, captada "obliquamente".
O "outro", pode-se dizer, sempre será obliquamente percebido. Os individuos se veem com o olhar enformado pela cultura a que pertencem. Ver inocentemente, portante, é impossível.2 Por isso, o "olhar obliquo" pode ser entendido como urna...