Resumo
A proximidade do quinto centenário da Reforma Protestante do século XVI faz lembrar da pessoa e da obra de Martinho Lutero. Talvez o principal ponto do programa reformador de Lutero tenha sido sua compreensao da doutrina da justificaçao pela fé, entendida como a coluna vertebral da teologia da Reforma. Todavia, desde o final do século XX a doutrina tem sido reformulada a partir de alguns trabalhos de biblistas, como James Dunn e N. Thomas Wright, identificados com a assim chamada "Nova Perspectiva Paulina (ou sobre Paulo)", a NPP. O presente artigo pretende apresentar, posto que em síntese, as linhas mestras da compreensâo de Lutero quanto ao tema, a reaçao do Concilio de Trento, a partir de 1545, a Declaraçao Conjunta Luterana-Católica Romana sobre a Doutrina da Justificaçao em 1999 e a polémica recente em torno da NPP. Por fim, o artigo mostrará, independentemente do mérito da questâo da NPP, a relevância do pensamento de Lutero para os dias de hoje.
Palavras-chave: Protestantismo - Teologia da Reforma - Justificaçao -Martinho Lutero - Estudos bíblicos
Abstract
As the fifth centenary of the Protestant Reformation of the 16th century approaches, it reminds us of the person and work of Martin Luther. Perhaps the main aspect of the reforming program of Luther has been his comprehension of the doctrine of justification by faith, understood as the foundation of the theology of the Reformation. However, since the end of the late 20th century this doctrine has been reframed, due the work of Biblical scholars, such as James Dunn and N. Thomas Wright, who identify themselves with the so called "New Perspective on Paul" (NPP). This essay intends to show, succinctly, the general contours of Luther's understanding of the subject, as well as the reaction of the Council of Trent of 1545, the Lutheran-Roman Catholic Joint Declaration on the Doctrine of Justification of 1999 and the recent debate on the NPP. In summary, regardless of any consideration of the merits the NPP, the text shall show the relevance of Luther's thought for today.
Keywords: Protestantism - Theology of Reformation - Justification - Martin Luther - Bible Studies
Introduçao - Lutero e a justificaçao pela fé
Em 2017 será comemorado em literalmente todos os quadrantes do planeta o quinto centenário do início do movimento iniciado por Martinho (ou Martim) Lutero (1483-1546), movimento este que ficou conhecido como "Reforma Protestante". As comemoraçoes decerto irao variar da louvaçao acrítica e desengajada, ao extremo oposto, de esforço(s) gratuito(s) de desconstruçao pura e simples, sem qualquer motivaçao académica.
Estas duas constataçoes iniciais deixam claro que, mais que em outros momentos, uma reflexao equilibrada a respeito da Reforma se faz necessária. A proximidade de 2017 se constitui em momento oportuno para refletir de maneira objetiva, tanto quanto possível, sobre a Reforma e seu legado. Daí a proposta do presente artigo, de resgatar o tema central da teologia luterana, a saber, sua compreensao do tema da justificaçao pela fé, as implicaçoes desta doutrina no próprio tempo da Reforma, e seus desdobramentos posteriores.
A teologia luterana encontra sua principal referéncia em Lutero, 1que fora monge agostiniano, e obteve o grau de doutorado em teologia na área de Biblia. Pode-se dizer que todo o movimento reformador nasceu a partir da inquietaçao existencial de Lutero, do medo ou angústia (Angst) do castigo de um Deus justo e terrível, a quem ele tentava ansiosamente agradar, contudo sem jamais conseguir aplacar o sentimento de culpa que constantemente o afligia. Lutero foi educado a partir da ideia do Deus que vigia os homens para punir seus pecados. A busca por paz para sua alma aflita o levou à vida religiosa, tendo ingressado no Augustinerkloster, o Convento Agostiniano em Erfurt, na regiao da Turíngia, em 1505, tendo lá permanecido até 1511. No ano seguinte doutorou-se em teologia na Universidade de Wittenberg, onde foi professor. Lutero nao aceitou a prática comum em seu tempo de venda de indulgéncias, o que o levou a publicar as famosas 95 Teses na porta do Castelo de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517. Isto nao por conta apenas de questoes meramente económicas. Por detrás da questao da venda de indulgências está a pergunta sobre como o ser humano pode conseguir o perdao divino, ou seja, a questao soteriológica. Lutero conseguiu finalmente encontrar a paz de espirito que tanto buscava após a leitura do texto de Romanos 1.17, onde se afirma que "o justo vivera pela fé". Nas palavras do próprio reformador,
Noite e dia eu ponderava, até que via conexao entre a justiça de Deus e a afirmaçao de que 'o justo viverá pela sua fé'. Entao, entendi que a justiça de Deus é a retidao pela qual a graça e a absoluta misericórdia de Deus nos justificam pela fé. Em razao desta descoberta, senti que renascera e entrara pelas portas abertas do paraíso. Toda Escritura passou a ter um novo significado [...] esta passagem de Paulo tornou-se para mim, o portao para o Céu (LUTERO apud CURTIS; LANG; PETERSEN, 2003, p. 110).
A partir dai cunha algumas expressoes que vieram a se tornar conhecidas como bandeiras do movimento reformador, os famosos "Solas": Sola fide (a fé somente), Sola gratia (a graça somente), Sola Scriptura (as Escrituras somente) e Solus Christus (Cristo somente). Os "Solas" luteranos sao como satélites circulando ao redor do astro principal, no caso, a salvaçao. Isto fica claro na leitura das famosas 95 Teses de Lutero, que, conforme a tradiçao, teriam sido afixadas na porta da igreja de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517, fato que deu inicio ao movimento que mais tarde seria conhecido como Reforma Protestante. As teses eram uma discussao sobre a venda das indulgências, documentos que conforme se dizia na época, se comprados, garantiriam o perdao dos pecados, até mesmo dos parentes já falecidos de quem os comprasse. Contrapondo-se a estes ensinamentos, Lutero escreve e publica suas teses. A grande "descoberta" de Lutero é a da gratuidade do dom de Deus da salvaçao em Cristo, recebida pela fé. Na Tese 36 declarou: "Qualquer cristao verdadeiramente arrependido tem direito à remissao plena da pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência" (LUTERO, 1987, p. 143). E na de número 62 Lutero afirma: "O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus" (LUTERO, 1987, p. 143, p. 173). O próprio Lutero ao comentar sua tese afirmou:
O Evangelho [...] segundo o apóstolo em Rm 1, é uma prédica a respeito do Filho encarnado de Deus, nos dado sem méritos (nossos) para salvaçao e paz. Ele é palavra de salvaçao, palavra de graça, palavra de consolo, palavra de alegria, a voz do noivo e da noiva, palavra boa, palavra de paz, como diz Is 40, "Quao jucundos sao os pés dos que anunciam boas-novas, que anunciam a paz, que pregam coisas boas". A lei, contudo, é palavra de perdiçao, palavra de ira, palavra de tristeza, palavra de dor, voz do juiz e do réu, palavra de inquietaçao, palavra de maldiçao. Pois, segundo o apóstolo, a lei é a força do pecado, a lei opera a ira, é lei da morte. Com efeito, a partir da lei nada temos senao uma má consciência, um coraçao inquieto, um peito pávido em face dos nossos pecados, que a lei mostra, mas nao remove, e que também nós nao podemos remover. Assim, pois, a luz do Evangelho vem aos cativos, tristes e totalmente desesperados e diz: "Nao temais!" (Is 35.4). "Consolai-vos, consolai-vos povo meu" (Is 40.1). "Consolai os pusilánimes" (1 Ts 5.14). "Eis o vosso Deus!" (Is 40.9). "Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (Jo 1.29). Eis aquele que é o único que cumpre a lei por vós, a quem Deus vos fez justiça, santificaçao, sabedoria, redençao a todos quantos creem nele2. Quando ouve esta dulcíssima mensagem, a consciência pecadora revive, e exulta em saltos (de alegria) e (fica) cheia de confiança, e já nao teme a morte, nem as espécies de penas associadas à morte, nem o inferno. Por isto, as pessoas que ainda temem as penas ainda nao ouviram Cristo nem a voz do evangelho, e sim, antes, a voz de Moisés. Assim pois, deste Evangelho nasce a verdadeira glória de Deus, ao sermos ensinados que a lei está cumprida nao por meio de nossas obras, mas da graça do Deus que se comisera em Cristo, e que ela é cumprida nao obrando, mas crendo, nao oferecendo qualquer coisa a Deus, mas tudo recebendo e participando de Cristo, de cuja plenitude todos nós participamos e recebemos (Jo 1.16. LUTERO, 1987, p. 173-174).
Observe-se neste trecho a típica oposiçao luterana entre lei e evangelho. Este é um tema bastante importante na teologia de Lutero. Conforme Uwe Wegner,
Para Lutero, a Palavra de Deus compreende tanto a lei quanto o evangelho. Lei e evangelho sao duas faces de uma mesma origem divina. De uma maneira sintética, poder-se-ia dizer que a lei compreende tudo aquilo que Deus de nós requer, pede e exige em sua santidade, enquanto que o evangelho caracteriza-se por aquilo que ele nos oferece e concede em sua graça e amor. Quando se fala em "dialética" entre lei e evangelho, quer-se apontar para o fato de que a relaçao que distingue e separa ambas as grandezas nao pode ser diluída nem a) numa simples adiçao, como se o evangelho necessitasse do complemento da lei para ter validade, nem b) numa estrita separaçao, como se representassem alternativas irreconciliáveis. Devem, isto sim, ser corretamente distinguidos como expressoes diferenciáveis de uma mesma e santa palavra de Deus (WEGNER, 2005, p. 141).
A centralidade da compreensäo soteriológica de Lutero, conforme já afirmada, e adiante será novamente apresentada, encontra-se na noçâo de justificaçâo pela fé. Por oportuno, há que se observar que Lutero näo foi o primeiro a pensar na questäo da justificaçâo pela fé. De acordo com Alister McGrath,
A doutrina da justificaçâo tinha sido objeto de considerável debate na igreja ocidental primitiva no decorrer da controvérsia pelagiana. Em 418 o Concilio de Cartago realizou um esclarecimento preliminar do ensino da igreja sobre a justificaçâo em resposta a esta controvérsia. Todavia, seus pronunciamentos, vagos em muitos pontos, que deveriam demonstrar a importância deste ensino, foram revisados no que é em geral considerado como sendo o concilio mais importante da igreja primitiva a lidar com a doutrina da justificaçâo - o Segundo Concilio de Orange, reunido em 529. Nenhum outro concilio se reuniu para discutir a doutrina da justificaçâo entre esta data e 1545, quando o Concilio de Trento o fez para debater esta doutrina, e muitas outras. Houve portanto um periodo de cerca de mil anos durante o qual o ensino da igreja se manteve silencioso quanto à justificaçâo. Este silêncio serve para aumentar ainda mais a importância dos pronunciamentos do Segundo Concilio de Orange a respeito da questäo, pois estes vieram a representar o ensino definitivo da igreja cristä a respeito da justificaçäo no período medieval, antes da reuniäo do Concilio de Trento. A erud^äo contemporánea demonstrou que nenhum teólogo da Idade Média sequer cita as decisoes do Segundo Concilio de Orange ou demonstra o menor conhecimento de tais decisoes3. Por razoes que simplesmente näo entendemos, do décimo século até a reuniäo do Concilio de Trento em 1545, parece que os teólogos da igreja ocidental näo tinham nem noçäo da existência daquele concilio, muito menos de seus pronunciamentos (McGRATH, 2011, p. 17-18, trad^äo nossa).
Conclui-se dai que quando Lutero começa a propagar seu entendimento de justificagäo pela fé, havia um vácuo no ensino da igreja a respeito, de maneira que os ensinos de Lutero soavam como que novidade (McGRATH, 2005). Isto ajuda a entender o impacto que aqueles ensinos tiveram naquele momento histórico. Já nos escritos de Lutero de 1520, no alvorecer do movimento da Reforma, como o famoso Mar. Lutheri tractatus de libértate christiana ("Tratado de Martinho Lutero sobre a liberdade crista"), encontra-se a ideia de que o ser humano nada pode fazer para sua própria salvagäo, sendo justificado por graça recebida por meio da fé:
Perguntas, porém, por que razao acontece que somente a fé justifica e, sem obras, oferece um tesouro de tantos bens, visto que nas Escrituras nos sao prescritas tantas obras, cerimônias e leis. Respondo: antes de mais nada é preciso ter em mente o que já foi dito: só a fé, sem as obas, justifica, liberta e salva [...]. Por esta maneira, portanto, a alma é justificada somente pela fé, sem as obas, a partir da palavra de Deus, é santificada, tornada verdadeira, pacificada, libertada e repleta de todo bem, e se torna verdadeiramente filha de Deus, como diz Jo 1.12: "Deulhes o poder de serem feitos filhos de Deus, àqueles que creem em seu nome" (LUTERO, 1989, p. 439-441).
Lutero trabalhou com uma compreensao anselmiana da morte de Jesus na cruz, isto é, entendeu esta morte como vicária e expiatoria. Este tema é tao importante no esquema da teología de Lutero que o levou a afirmar: Crux sola est nostra theologia ("A cruz apenas é a nossa teología"; WESTHELE, 2008, p. 49). O historiador cubano Justo Gonzalez, especialista em historia do pensamento cristao, assim resume a teologia da salvaçao de Lutero:
"Justificaçao pela fé" é o nome comumente dado ao entendimento de Lutero da justificaçao. Ele é apropriado, pois Lutero de fato afirma que a justificaçao vem somente pela fé. O que realmente acontece é que Deus nos imputa a justiça de Cristo, que age 'como um guarda-chuva contra o calor da ira de Deus'. Mas, como nao temos nenhum outro meio de compreender a Cristo e sua justiça senao a fé, é a fé que nos coloca sob a proteçao deste guarda-chuva. 'Portanto, apenas a fé justifica, sem nossas obras'. Tudo que se pode fazer pela graça de Deus é crer, e assim apropriar-se da justiça de Cristo. Por outro lado, a frase "justificaçao pela fé" pode ser facilmente mal interpretada, como se Lutero estivesse simplesmente dizendo que a única obra necessária para a salvaçao é a fé. Mas para Lutero, fé nao é uma obra. Nao é um esforço da parte do intelecto parar crer, nem é um esforço da parte da vontade para confiar. Ao contrário, é a obra do Espirito Santo em nós. Se alguém deseja falar da fé como uma obra, pode fazê-lo; mas a fé é uma obra de Deus, e nao uma obra humana (GONZALEZ, 2004, p. 59).
De fato, o coraçao da compreensao luterana de salvaçao é a ideia biblica de justificaçao, ou seja, a metáfora forense do tribunal. Dai a importância da ideia de justiça no pensamento de Lutero. Na introduçao ao seu comentário à epístola aos Romanos, de 1522, Lutero afirmou:
"Justiça", entao, é essa fé, e significa justiça de Deus, ou que vale perante Deus, uma vez que ela é dádiva que Deus concede e que dá à pessoa a disposiçao de dar a cada um o que lhe é devido. Pois, através da fé, a pessoa se torna sem pecado e ganha vontade de cumprir os mandamentos de Deus, com o que ele dá glória a Deus e lhe paga o que lhe é devido. E às outras pessoas ela serve de bom grado onde puder, e com isso também paga a cada um. Uma justiça desta espécie nem a natureza, nem a livre vontade e nossas forças conseguem produzir; pois da mesma forma como ninguém consegue dar a fé a si mesmo, também nao se pode eliminar a falta de fé. Como se haveria de tirar o menor pecado que fosse? Por esta razao tudo é falso, é hipocrisia e pecado o que acontece fora da fé ou em falta de fé (Rm 14.23) por maior brilho que apresente (LUTERO, 1984, p. 185)4.
Neste trecho está sintetizada a compreensao luterana clássica de salvaçao Sola fide ("pela fé somente"). No mesmo prefácio, Lutero também afirmou:
Em seguida (Paulo) volta ao assunto e prova também, através da Escritura, que todos sao pecadores e que ninguém é justificado pelas obras da lei, e sim a lei é dada somente para se reconhecer o pecado. Depois disso, poe-se a ensinar o caminho certo de como a pessoa se torna reta e salva, dizendo: Todos eles sao pecadores e sem glória perante Deus. Mas têm que ser justificados sem mérito próprio através da fé em Cristo, que para nós o mereceu por seu sangue e se tornou para nós um propiciatório de Deus, que nos perdoa todo pecado anterior. Isso o faz para provar que unicamente sua justiça, dada na fé, é que nos ajuda, justiça revelada entao pelo evangelho e testemunhada anteriormente pela lei e pelos profetas. (LUTERO, 1984, p. 186-187).
A compreensao de justificaçao pela fé em Lutero permitiu-lhe a elaboraçao de uma antropologia realista, que nao é nem ingênua, como se o humano fosse apenas bondade, sendo que seus erros seriam explicados por ser vítima das circunstâncias ou produto do meio, nem pessimista, "totalmente depravado", como na época posterior à Reforma seria exposto nos Cánones de Dordt de 1619, da Igreja Reformada Holandesa (CHRISTIAN REFORMED CHURCH, 2016). Para Lutero, o cristao é simul iustus et peccator ("justo e pecador ao mesmo tempo"). Eis aí uma antropologia que evita extremos de um moralismo legalista, por um lado, e de um antinomianismo irresponsável, por outro. Nas palavras do próprio reformador:
O cristao é justo e pecador ao mesmo tempo - um amigo e um inimigo de Deus. Os filósofos nao admitem este paradoxo porque nao aceitam a forma correta de tornar-se justificado. Essa é a razao pela qual eles exigem que as pessoas continuem realizando boas obras até nao sentirem mais o pecado. Esse ensino tem levado muitas pessoas a tornarem-se perturbadas porque elas se esforçam tanto quanto podem para tornarem-se completamente justas, mas nunca conseguem (LUTERO, 2014, p. 55)5.
A antropologia de Lutero é cristocêntrica e dinámica, resultado de uma visao dialética do status da pessoa crista em e por causa de Cristo. Este realismo equilibrado é visto em outra prédica de Lutero, na qual afirmou:
Se olharmos para a fé, as leis de Deus sao cumpridas, o pecado é destruido e nenhuma lei é omitida. Mas se olharmos para a nossa natureza pecaminosa, nada há de bom. Portanto, devemos sempre lembrar que todos nós somos justos por intermédio da fé, porém ainda somos pecadores (LUTERO, 2014, p. 174).
A compreensao luterana de soteriologia influenciou, em maior ou menor grau, todos os segmentos da Reforma Protestante, e todos os grupos que constituem o grande, e muito capilarizado, movimento evangélico posterior6. Neste caso, a categoria chave para a compreensao de salvaçao é a metáfora paulina da justificaçao, extraída do mundo jurídico. Conforme esta metáfora, a justiça de Cristo, por ato da livre graça divina, é imputada, pela fé, ao pecador que crê e se arrepende, sendo assim, consequentemente, aceito por Deus.
1 A reaçao do Concilio de Trento à compreensao luterana de justificaçao pela fé
Nao há como falar da justificaçao pela fé na época de Lutero e nao falar da reaçao católica a respeito, veiculada pelo Concílio de Trento, iniciado em 1545. Nao será exagero afirmar que se nao tivesse havido Reforma, Trento nao teria acontecido. A motivaçao para o Concilio foi a necessidade de resposta da Igreja Católica ao movimento iniciado por Lutero. Muito provavelmente alguns historiadores católicos nao concordem com esta afirmaçao. Fato é que Lutero desejava que se convocasse um concílio para tratar das reformas que a igreja de seu tempo precisava - e Trento de certa forma foi uma resposta tardia ao desejo de Lutero (a história é irônica muitas vezes!). Desta maneira, Lutero resgatou a teoria conciliarista do século XIV, segundo a qual um concílio teria mais autoridade que um Papa (inter alia, BURNS, IZBICKI, 1997. CROWDER, 1977. TIERNEY, 1955). Mas a ideia da convocaçao de um concílio nao era agradável a Leao X, o Papa da época. Vale lembrar que ao contrário do que alguns textos apologéticos católicos ainda afirmam, Lutero nao foi um cismático que queria dividir a igreja, e efetivamente o fez. Ele nao era o "javali na vinha do Senhor", como foi dito a seu respeito em seu tempo (CESAR, 2006, p.10). A proposta de Lutero, depois seguida por seus companheiros e pelos demais ramos da Reforma (além da Luterana, a Reformada - por mais pleonástico e redundante que a expressao soe - a Inglesa ou Anglicana, e a Radical) nunca foi a de criar uma nova igreja, mas que práticas e tradiçoes sem base bíblica fossem deixadas de lado e que se recuperasse a força e a vitalidade originais do movimento cristao primitivo. Com a excomunhao de Lutero pelo Papa Leao X em 1520 é que o reformador nao teve outra alternativa a nao ser seguir seu próprio caminho (PAPA LEÄO X, 1520).
Quanto à reuniao propriamente do concílio, o historiador Lindberg Carter resumiu como segue:
O próprio Concílio de Trento só foi convocado relutantemente, após numerosos adiamentos. A relutância papal em concordar com um concílio ecuménico estava baseada em preocupaçoes políticas e teológicas. O movimento conciliar do século 15 havia contestado fortemente a autoridade papal quando tentou colocar o papa sob a autoridade dos concílios. E a conclamaçao de Lutero por um concílio cristao livre significava um concílio livre de dominaçao papal, com as Escrituras e nao a tradiçao como norma - uma exigéncia que o papa obviamente achava ofensiva. O longo atraso na convocaçao desse concílio também estava relacionado ao desejo de cada partido de que o concílio se reunisse em seu próprio território a fim de melhor o controlar. Finalmente, escolheu-se a cidade de Trento no norte da Itália porque tecnicamente ela estava situada em solo alemao e, por isso, satisfazia o imperador. Acontecimentos políticos também tiveram influéncia sobre o fato de que o concílio nao se reuniu efetivamente durante todo o período, 1545-1563, e sim em trés diferentes assembleias; 1545-47, 1551-52 e 1561-63 (CARTER, 2001, p. 416).
A compreensäo de Trento no senso comum é que o concilio teria sido convocado como reaçâo ao entäo nascente movimento protestante (AQUINO, 2016). Para o apologeta católico brasileiro Felipe Aquino, que discorda desta opiniäo, o Concilio de Trento foi a expressäo da vitalidade da Igreja, a eflorescência de um movimento ligado a setores da Igreja dados à oraçâo e à mística. Nas palavras de Aquino, no acima mencionado sitio da internet,
A obra do Concilio de Trento tem sido chamada "Contra-Reforma", em oposiçâo à Reforma protestante. Esta designaçâo, porém, é inadequada. O Concilio foi, sim, uma resposta às proposigoes do protestantismo, mas, muito mais do que isto, foi uma expressäo da vitalidade da Igreja, que no século XVI se manifestou em Trento e num movimento de eflorescência prolongado até o século XVII.
A despeito da opiniäo entusiasmada de Felipe Aquino, fato é que Trento efetivamente reafirma posigoes católicas criticadas por Lutero e, por consequência, rejeita alguns principios protestantes. Aquino tenta diminuir a motivagäo protestante para a convocagäo do concilio. Mas näo há como negar que as questoes levantadas pela Reforma teriam que ser "enfrentadas", ou melhor, consideradas, pela Igreja Católica. Defendendo posigäo diametralmente oposta à de Aquino, o já mencionado Carter assim se expressou:
O concilio [...] ilustrou as duas preocupagoes da Igreja Católica: auto-renovagäo (sic) e oposigäo ao que considerava heresia protestante. O programa do concilio consistía em reformar a fé cristä, restaurar a moralidade cristä e reunificar todos os povos cristäos. Ele foi convocado em 1545 numa cristandade teoricamente ainda unida; encerrou-se em 1563 com uma cristandade dilacerada por divisoes que ainda afetam o cristianismo mundial no presente (CARTER, 2001, p. 415).
Logo, fica dificil sustentar a tese de Felipe Aquino que Trento näo teve em absoluto motivagäo a partir do entäo nascente movimento reformador protestante. Nas palavras do historiador anglicano irlandés Alister McGrath, especialista na história da formagäo do pensamento cristäo, com énfase nos antecedentes da Reforma Protestante e no periodo da Reforma propriamente,
O Concilio de Trento, principal componente da Reforma católica, esclareceu a posiçao católica em relaçao ao ensino de uma série de questoes obscuras e introduziu reformas bastante necessárias em relaçao à conduta do clero, à disciplina eclesiástica, à educaçao religiosa e à atividade missionária. O movimento pela reforma, no interior da igreja foi bastante estimulado pela reforma de muitas ordens religiosas mais antigas, bem como pela fundaçao de novas ordens (como a dos jesuítas [...] Em consequência da Reforma católica, muitos abusos que, a principio, estavam detrás das exigências de reforma - tanto oriundas de humanistas como de protestantes - foram eliminados (McGRATH, 2005b, p. 101).
Seguindo linha de raciocinio semelhante, Martin Dreher cita Hubert Jedin (autor de uma história do Concilio), que ao interpretar Trento, entendeu que o concilio teria que responder a sete questoes, quais sejam:
1) Frente ao sola gratia de Lutero, acentuou-se que é possivel uma certa disposiçao do ser humano para receber a graça;
2) Nao é o perdao dos pecados que leva à santificaçao (pois) a santificaçao inclui o perdao dos pecados;
3) As obras sao fruto da graça divina, mas também devem ser exigidas;
4) A vontade humana participa da dádiva da graça, ao aceitá-la e ao produzir frutos de justiça;
5) As boas obras sao fruto da graça e, como tais, sao mérito, mas como também sao obra humana, até certo ponto pode-se dizer que sao mérito humano;
6) Os sacramentos sao o único meio normal para conseguir a justificaçao (pois) só eles mudam a qualidade do ser humano;
7) O sacramento age ex opere operato, por isso a justificaçao nao precisa ser uma experiência humana (JEDIN apud DREHER, 1996, p. 1223-124).
Por um lado, Trento se preocupou com a elevaçao do nivel intelectual e moral do clero. Mas ao mesmo tempo, condenou efetiva e explicitamente as doutrinas protestantes. Trento reafirma a visao eucaristica católica (a compreensao em si da missa, a negaçao da comunhao em duas espécies). As famosas bandeiras da Reforma, os "solas", os lemas luteranos que foram igualmente adotados pelas já citadas vertentes outras do protestantismo, foram rejeitadas.
Talvez o exemplo mais eloquente seja o que tem a ver com o Sola Scriptura ("a Escritura somente") - Trento em uma sessao de 1546 (o primeiro periodo do concilio, que se estendeu de 1545 a 1547) reafirma a Vulgata, nao dá valor à traduçao da Biblia, e reafirma o papel da tradiçao como fonte de autoridade no processo de construçao teológica (DREHER, 1996, p. 123; GONZALEZ, 2004, p. 2430. Entretanto, ao mesmo tempo há que se observar que
A principal decisao em termos de Reforma foi a criaçao de cátedras para o ensino da Sagrada Escritura em todas as escolas de catedrais, proporcionando uma melhor formaçao do clero. Além disso, publicou-se um decreto contra a acumulaçao de beneficios, tao atacada pelos reformadores evangélicos. Mas nao só por eles (DREHER, 1996, p. 123).
Quanto ao Sola fide, Trento reafirma a importância dos méritos humanos no processo da salvaçao. Com tais afirmaçoes Trento cristaliza de vez a separaçao entre católicos e protestantes. Nas palavras do historiador Martin Dreher, "Com suas formulaçoes antiprotestantes, o concilio de Trento sacramentou definitivamente o cisma da igreja ocidental" (DREHER, 1996, p. 122).
Na sexta sessao de Trento, em 1547 o principio Sola gratia é interpretado de maneira radical demais para um protestante, no sentido de que, vista pelo prisma da Reforma, valoriza exageradamente a participaçao humana. Isto cria na prática uma quase contradiçao de termos, pois se a participaçao humana no processo de salvaçao é aumentada, a graça é diminuida.
Na sétima sessao do Concilio os sacramentos - reafirmados como sendo sete, o setenário sacramental - sao vistos como atuando ex opere operato, o que é virtualmente uma negaçao da justificaçao pela fé, o coraçao da doutrina luterana7. Para Lutero a justificaçao pela fé é Rector et iudex omnia genera doctrinarum, "regente e juiz sobre todas as partes da doutrina crista". A questao da justificaçao em Trento merece consideraçao especial, visto estar esta doutrina, como afirmado, no centro da compreensao protestante da experiência e do processo da salvaçao. Conforme o já mencionado McGrath, Lutero vai aos poucos desenvolvendo sua compreensao distinta de justificaçao como uma experiência que altera a condiçao exterior do pecador coram Deo ("aos olhos de Deus"), enquanto a regeneraçao altera sua natureza interior (de pecador). Trento no quarto capítulo de seu decreto rejeita esta concepçao luterana:
Em síntese, a justificaçao do pecador pode ser definida como a mudança daquele estado em que o ser humano nasce, como filho do primeiro Adao, para o estado de graça e de adoçao como filhos de Deus, por meio do segundo Adao, Jesus Cristo, nosso salvador. De acordo com o evangelho, essa mudança nao seria possível senao por meio da purificaçao decorrente da regeneraçao, ou de um desejo nesse sentido, como está escrito, "ninguém pode entrar no Reino de Deus se nao nascer da água e do Espirito" (Jo 3.5) (McGRATH, 2005, p. 525).
Desta maneira, Trento entende que justificaçao envolve ao mesmo tempo um ato ou evento - ser declarado justo - como um processo - o processo de tornar-se justo, pela atuaçao interna do Espirito Santo. A tradiçao da Reforma estabelece distinçao entre estas duas experiências: justificaçao tem a ver apenas com o fato de ser declarado justo, sendo que o processo posterior de renovaçao, interior e exterior, é chamado de santificaçao.
Outro ponto de discordância entre Trento e a Reforma na compreensao da justificaçao tem a ver com a natureza desta. Para Lutero, a justiça que faz o pecador ser aceito por Deus, isto é, declarado inocente no tribunal divino - justificado - vem apenas e tao somente de Cristo: iustitia Christi aliena. Todavia, no sétimo capítulo dos decretos de Trento há uma compreensao diferente, qual seja, que a causa da justificaçao estaria em uma justiça que Deus graciosamente nos concede. Em outras palavras: existiria em cada um mérito que permitiria às pessoas receber a justificaçao divina. Esta compreensao é frontalmente contrária à compreensao luterana. O Coloquio de Ratisbona em 1541 tentou encontrar síntese entre as posiçoes católica e protestante quanto à justificaçao, criando o que Bernard Sesboüé chama de "doutrina da dupla justificaçao", que por fim nao foi aceita nem por católicos nem por protestantes (SESBOÜÉ, 2003, p. 280). O Coloquio de Poissy, de 1561 também tentou uma conciliaçao entre protestantes e católicos, também sem sucesso8.
Ainda sobre a justificaçao, outro ponto irreconciliável (pelo menos, naquele momento histórico) entre protestantes e católicos é uma consequência de se crer na justificaçao pela fé. Esta consequência toca em uma questao de caráter poimênico: a questao da segurança - ou certeza - da salvaçao. Lutero, e toda a tradiçao protestante posterior, dá muita ênfase à certeza que o cristao pode ter da fidelidade das promessas de Deus envolvidas na experiência da salvaçao. Tal confiança foi vista nos documentos de Trento com ceticismo, a tal ponto que o capítulo 9 do Decreto da Justificaçao tem o título "Contra a va confiança dos hereges". O próprio título em si tem aspecto polêmico e beligerante. Este aspecto de uma polêmica entre protestantes e católicos, sobreviveu no plano popular, da religiosidade vivida: no interior do Brasil era muito comum (talvez até hoje ainda seja) haver discussoes da questao da segurança da salvaçao entre protestantes e católicos marcadas por acusaçoes mútuas: protestantes acusavam os católicos de nao crer no ensino bíblico, e estes por sua vez acusavam os primeiros de serem arrogantes e orgulhosos por conta de sua convicçao da salvaçao. Para citar McGrath mais uma vez,
A tese do Concilio de Trento parece ser a de que os reformadores davam a impressao de estar fazendo da confiança ou da ousadia humanas o fundamento da justificaçao, de forma que a justificaçao baseava-se na falível convicçao humana, e nao na graça de Deus. Entretanto, a percepçao que os reformadores tinham de si mesmos era a de alguém que ressaltava o fato de que a justificaçao fundamentava-se nas promessas de Deus; deixar de confiar com ousadia nessas promessas era o mesmo que questionar o caráter de Deus (McGRATH, 2005, p. 527.528).
2 A Declaraçao Conjunta sobre a Doutrina da Justificaçao de 1999
Esta tendência antiprotestante começa a ser superada no inicio dos anos de 1960, com a famosa mençao de Joao XXIII aos protestantes como "irmaos separados". A referência do Buon Giovanni aos protestantes é uma revisao do radicalismo do Concilio de Trento em sua rejeiçao do protestantismo. A frase de Joao XXIII vai encontrar seu zênite na Declaraçao Conjunta sobre Justificaçao pela Fé de 1999 (doravante, DC; DECLARAÇÂO CONJUNTA SOBRE JUSTIFICAÇÂO PELA FÉ, 2016). A declaraçao foi assinada por representantes oficiais da Igreja Católica Apostólica Romana (através de seu Conselho Pontificio para a Promoçao da Unidade dos Cristaos: CONSELHO PONTIFÍCIO PARA PROMOÇÂO DA UNIDADE DOS CRISTÄOS, 2016) e a Federaçao Luterana Mundial. Esta declaraçao é sem sombra de dúvida interessante e importante por demais, porque revisita irenicamente pontos que foram motivo de polémica e cristalizaçao da divisao da cristandade ocidental em Trento. A este respeito, vale reproduzir a resoluçao de Trento sobre a justificaçao, em sua sexta sessao, de 13 de janeiro de 1547:
A justificaçao do pecador pode ser brevemente definida como a translaçao do estado de ser nascido como filho do primeiro Adao (translatio abe o statu in quo homo nascitur filius primi Adae) ao estado de graça e de adoçao de filhos de Deus através do segundo Adao, Jesus Cristo nosso Salvador (in statu gratiae et adoptionis filiorum Dei per secundum Adam Iesum Christum Salvatore, nostrum). De acordo com o evangelho, esta translaçao nao pode acontecer a nao ser por intermédio da purificaçao da regeneraçao, ou um desejo por isto, como está escrito, "Quem nao nascer da água e do Espirito Santo, nao pode entrar no reino de Deus" (Jo 3.5) (citado por McGRATH, 2001, p. 430, nossa traduçao).
Este entendimento de justificaçao é oposto ao do protestantismo. Tome-se como exemplo, Calvino, que entende a natureza da justificaçao influenciado pelo pensamento de Agostinho de Hipona, compreendendo-a assim como o processo de regeneraçao e renovaçao interior da natureza humana, que produz mudança tanto no status exterior como também na natureza interior do pecador (CALVINO, Institutas, In.11.2,23). Em contraste, Trento entende a justificaçao como incluindo a ideia de regeneraçao. O sétimo capitulo de Trento sobre justificaçao ampliará esta declaraçao, enfatizando-a como "nao apenas remissao de pecados, mas também como santificaçao e renovaçao da pessoa interior por intermédio da recepçao voluntária da graça e os dons pelos quais uma pessoa injusta se torna justa" (McGRATH, 2001, p. 430, nossa traduçao).
A compreensäo de Trento sobre a justificaçao é sem dúvida notadamente diferente da compreensäo protestante, formulada por Lutero primeiramente, e mais tarde sistematizada por Calvino. Este apresentará uma compreensäo da justificaçâo bastante semelhante à de Lutero:
Com efeito, a Escritura ensina esta ordem da justificaçâo: primeiramente, que Deus se digna abraçar o homem pecador por sua mera e graciosa bondade, näo considerando nele nada por quê seja movido à misericordia, exceto sua miséria, a quem, na verdade, vê inteiramente desnudo e vazio de boas obras, buscando ele em si mesmo a causa pela qual lhe deva ser benévolo; entäo, ele se deixa tocar pelo senso de sua bondade para com o próprio pecador, para que, näo confiando nas próprias obras, lance à sua misericordia toda a soma de sua salvaçäo. Este é o sentimento de fé através do qual o pecador vem à posse de sua salvaçäo, enquanto do ensino do evangelho se reconhece reconciliado com Deus, ou, seja, interpondo-se a justiça de Cristo e alcançada a remissäo dos pecados, seja ele justificado; e ainda que seja regenerado pelo Espirito de Deus, näo obstante näo pöe sua confiança nas obras que faz, senäo que está plenamente seguro de que sua perpétua justiça consiste unicamente na justiça de Cristo (CALVINO, Institutas, III, 11, 16, ênfases acrescentadas).
As citaçoes dos reformadores Lutero e Calvino quanto ao tema da justificagäo, tema que sem exagero pode ser considerado como o coragäo da soteriologia protestante, e, tal como já mencionado, foi o estopim para a ignigäo da Reforma Protestante, servem para realçar a diferença de compreensäo deste importante tema teológico e pastoral adotada por Trento. Tudo isto dará o maior valor à DC. Näo é algo de pequena monta que um acordo tenha sido firmado entre luteranos e católicos, séculos depois dos acontecimentos a um só tempo dramáticos e traumáticos do século XVI.
Por isso, todos os artigos da DC começam com "Confessamos juntos". Um exemplo: o ponto 4.6 - Certeza da salvaçâo - da DC afirma:
34. Confessamos juntos que as pessoas crentes podem confiar na misericordia e nas promissoes de Deus. Também em face de sua própria fraqueza e de muitas ameaças para sua fé, podem basear-se - graças à morte e ressu^e^o de Cristo - na promessa eficaz da graça de Deus em palavra e sacramento e, assim, ter certeza desta graça.
35. Isto foi acentuado de maneira especial pelos reformadores: em meio à tribulaçäo a pessoa crente näo deve olhar para si mesma, mas inteiramente para Cristo e confiar somente nele. Assim, na confiança na promissao de Deus, ela tem certeza de sua salvaçao, mesmo que, olhando para si mesma, nunca esteja segura.
36.Católicos podem compartilhar da preocupaçao dos reformadores de basear a fé na realidade objetiva da promessa de Cristo, desconsiderando a própria experiência e confiando somente na palavra promitente de Cristo (Mt 16, 19; 18, 18). Com o Concilio Vaticano II os católicos sustentam: crer significa confiar-se inteiramente a Deus, [19] que nos liberta das trevas do pecado e da morte e nos desperta para a vida eterna. [20] Neste sentido nao se pode crer em Deus e, ao mesmo tempo, nao considerar confiável a promessa divina. Ninguém deve duvidar da misericórdia de Deus e do mérito de Cristo. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salvaçao quando olha para suas próprias fraquezas e insuficiências. Mesmo inteiramente consciente de seu próprio fracasso, contudo, a pessoa crente pode ter certeza de que Deus quer sua salvaçao.
Para concluir esta breve reflexao, nada melhor que mais uma vez citar a DC, em seus dois últimos parágrafos:
43. Nosso consenso em verdades básicas da doutrina da justificaçao precisa surtir efeitos e comprovar-se na vida e na doutrina das Igrejas. A esse respeito ainda existem questoes de importância variada que necessitam de maior esclarecimento: referem-se, por exemplo, à relaçao entre a palavra de Deus e doutrina eclesiástica, bem como à doutrina a respeito da Igreja, da autoridade na Igreja, de sua unidade, do ministério e dos sacramentos, e finalmente a doutrina da relaçao entre justificaçao e ética social. Temos a convicçao de que a compreensao comum alcançada oferece uma base sólida para esse esclarecimento. As Igrejas luteranas e a Igreja católica romana continuarlo se empenhando por aprofundar a compreensao comum e fazê-la frutificar na doutrina e na vida eclesiais.
44. Damos graças ao Senhor por este passo decisivo rumo à superaçao da divisao da Igreja. Rogamos ao Espirito Santo que nos conduza adiante para aquela unidade visivel que é a vontade de Cristo.
O que concilios como Ratisbona, Poissy, e especialmente Trento nao lograram alcançar, foi conseguido no final do século passado, com a DC sobre a doutrina da justificaçao, um dos mais importantes passos ecumênicos desde a Reforma. É bem verdade que apenas luteranos participaram do processo de redaçao da DC. Nao obstante, mesmo que outros integrantes da familia protestante nao tenham subscrito (pelo menos, nao oficialmente), nao se poderá negar o avanço representado por este passo.
3 A polémica recente sobre justificaçao no movimento da Nova Perspectiva Paulina
A discussao sobre a justificaçao pela fé no pensamento de Lutero e hoje nao seria completa sem uma abordagem, por mínima que seja, das contribuiçoes e polémicas que envolvem a assim chamada Nova Perspectiva Paulina (doravante, NPP)9. Trata-se de uma compreensäo diferente da tradicional (que seria a "Velha Perspectiva"), no sentido de entender justificaçâo como absolviçâo dos pecados com base na fidelidade de Deus à aliança estabelecida com Abraao e seus descendentes, e nao como a imputaçao da justiça de Cristo aos pecadores, como o protestantismo clássico entende desde Lutero e Calvino.
O movimento tem como seus principais expoentes os biblistas británicos Nicholas Thomas Wright (n. 1948), anglicano, e James Dunn (n. 1939), presbiteriano (2011), e o estadunidense E. P. Sanders (n. 1937), que se declara agnóstico. Este trio reconhecidamente forma o grupo das maiores autoridades no mundo no campo dos estudos paulinos. Há diferenças entre a compreensäo de Paulo entre estes mencionados estudiosos.
Wright, por exemplo, com base em estudos na literatura judaica do período intertestamentário e do judaismo do primeiro século (ou do Segundo Templo), como por exemplo, alguns textos de Qumran (como o texto 4QMMT - WRIGHT, 2006, p. 106 s), modifica a compreensäo protestante de justificaçao nas epístolas paulinas. O próprio Wright sintetiza seu pensamento a respeito:
Justificaçao tem a ver com a obra de Jesus o Messias de Israel.
Segundo, a doutrina da justificaçao de Paulo é por conseguinte a respeito do que podemos chamar de aliança - a aliança que Deus fez com Abraao, cujo propósito era desde o inicio o chamado salvador de uma familia em todo o mundo através do qual os propósitos salvadores de Deus para o mundo haveriam de ser realizados.
Terceiro, a doutrina da justificaçao de Paulo é focada no tribunal divino. Deus, como juiz, "se mostra favorável", e por conseguinte, absolve os pecados deles, dos que creem em Jesus Cristo. A palavra justificar tem o tribunal como sua base metafórica.
Quarto, a doutrina da justificaçao de Paulo está ligada à escatologia, isto é, à sua visao do futuro de Deus para todo o mundo e para seu povo. Nos escritos de Paulo, mas mais uma vez especialmente em Romanos, ele avista dois momentos, a justificaçao final, quando Deus colocará o mundo todo em ordem e ressuscitará seu povo, e a justificaçao presente na qual aquele momento é antecipado (WRIGHT, 2009, p. 11-12, ênfases do autor, traduçao nossa)10.
A discussao sobre a NPP é longa, e uma apresentaçao exaustiva sobre os méritos da mesma fugiria ao objetivo deste artigo11. O que foi apresentado, posto que apenas em síntese, é suficiente para os propósitos da presente reflexao. O que nao se pode em absoluto negar é a importância do tema da justificaçao na Biblia.
Por isso, esta seçao do capítulo será concluída com citaçao do teólogo belga Edward Schillebeeckx (1914-2009), que escreveu obra alentada sobre o tema da salvaçao (871 páginas), com foco na graça de Deus. Para Schillebeeckx, salvaçao é graça. Desta maneira, ele revela a influência que recebe de Agostinho, com sua conhecida definiçao de graça como "favor nao merecido". Schillebeeckx faz uma leitura interessante da justificaçao, entendendo-a como expressao da graça divina:
Em nossa análise do conceito de charis nao surgiu ainda uma contraposiçao entre "graça" e "lei", pois também para os judeus a lei é uma charis ou revelaçao graciosa de Deus que estava reservada a Israel; também neste caso caminham juntas a eleiçao e a graça quanto à revelaçao de uma sabedoria superior. Por isso, sem polemizar contra a lei, Paulo pode formular sua doutrina sobre a justificaçao em 2 Co 5,18-21: "Deus, mediante Cristo, estava reconciliando o mundo consigo, cancelando a divida dos delitos humanos" (5,19) e "aquele que nao tinha nada a ver com o pecado, por nós o carregou com o pecado, para que nós, por seu intermédio, obtivéssemos a justiça de Deus" (5,21). A morte de Jesus é uma morte expiatória, pela qual sao apagados os pecados, e a própria justiça de Deus, ou sedaqah passa a ser a nossa justiça. Esta ideia, central na carta aos Romanos (dikaiosyne tou Theou), está ausente por completo na carta aos Gálatas, porém em sua formulaçao básica pressupoe, a meu ver, a doutrina paulina sobre a justificaçao exposta na carta aos Gálatas (SCHILEBEECKX, 1982, p. 113, traduçao nossa).
A visao de Schillebeeckx, que em sua teología conjuga de maneira consistente estudo bíblico com reflexao dogmático-sistemática, está bem de acordo com a visao protestante clássica sobre o tema da justificaçao. Tal coerência nao deve ser entendida como um argumento para demonstrar que uma visao está mais certa que a outra. Antes, aponta para a importância do tema no todo do pensamento bíblico.
Concluindo (inconclusivamente)
Nao é demais repetir que a proximidade do quinto centenário da Reforma proporciona ocasiao para um (re)lembrar e (re)pensar criticamente o significado daquele movimento. Para tanto, é necessário que se tenha consciência de, tal como já afirmado, evitar os extremos, quais sejam, compreendê-la de maneira acrítica, meramente laudatoria, ou o de tentar desconstrui-la, como se tudo que o movimento tivesse proposto fosse errado.
Nesta busca por olhar a Reforma com equilíbrio, forçosamente há que se lembrar do tema da justificaçao. Conforme demonstrado, este tema é importante no todo do conteúdo bíblico, e na historia do pensamento cristao.
A proposta do presente artigo, nao é demais repetir, é refletir também sobre a relevância atual das consideraçoes sobre a justificaçao no pensamento de Lutero. O pressuposto básico para esta afirmaçao é que há implicaçoes e consequências pastorais e éticas que podem ser extraídas da compreensao de justificaçao de Lutero. Ao apontar para a fé como elemento da justificaçao, Lutero relativiza a mediaçao institucional e sacerdotal na experiência da salvaçao. Este elemento de relativizaçao é sem dúvida importante, ainda mais no contexto brasileiro, em que se vê, notadamente em grupos supostamente herdeiros do movimento reformador, um fortalecimento cada vez maior da intermediaçao sacerdotal e institucional entre o fiel e Deus. Uma conhecida anedota brasileira diz que "Jesus é o caminho" (para se chegar a Deus) mas um conhecido líder brasileiro é o "pedágio". "Concluímos pois que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Rm 3.28). Para ser aceito por Deus o homem nao precisa "das obras da lei" (como no contexto judaico de Paulo, sem entrar, como já afirmado, no mérito da questao da NPP), nem de "pedágios", como se vê à farta em nosso tempo. A (re)descoberta do tema da justificaçao pela fé contribuirá para esvaziar este elemento de mediaçao sacerdotal e institucional que tem se tornado cada vez mais forte em alguns grupos religiosos brasileiros que se pretendem herdeiros da Reforma do século XVI.
Outro elemento a ser considerado é da universalidade da justificaçao. Conforme o Novo Testamento, a justificaçao é para todos: "primeiro do judeu, e também do grego" (Rm 1.16). Pouco mais tarde, Paulo dirá:
Porque todos pecaram e carecem da glória de Deus.
Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redençao que há em Cristo Jesus. (Rm 3.23-24, ênfase acrescentada).
O "todos" do v. 23 refere-se à conjugaçao entre "judeus e gentios", isto é, nao judeus, que percorre toda a epístola. A mesma expressao abrangente ("todos") está subentendida no v. seguinte.
A ênfase de Lutero na justificaçao pela fé, independentemente de qualquer outro critério ou fator, fornece base para uma açao pastoral inclusiva, abrangente, acolhedora e, por via de consequência, nao excludente. Neste sentido, há que se lembrar que o ensino paulino sobre justificaçao, apresentado no contexto greco-romano urbano do primeiro século, é traduçao do projeto messiânico de Jesus de Nazaré, apresentado no contexto rural galileu de fundo cultural hebreu: o Cristo chamado de "amigo dos pecadores" (Mt 11.19), criticado por "comer e beber com publicanos e pecadores" (Lc 5.30) é a causa da justificaçao "de todo aquele que crê" (Rm 10.4).
Esta consequência do ensino sobre a justificaçao, que foi descoberto por Lutero no século XVI, precisa ser (re)descoberta pelos que se entendem herdeiros do reformador alemao no Brasil destas primeiras décadas do XXI.
1O objetivo deste artigo, tal como já afirmado, é mostrar, posto que em síntese, a compreensao de Lutero quanto ao tema da salvaçao, com foco específico em sua compreensao do tema da justificaçao pela fé. Para detalhes quanto ao programa teológico de Lutero como um todo consultar, inter alia, EBELING, 1988. McKIM, Donald K. (Org.) 2003. BAYER, 2008. KOLB, ARAND, 2008. ALTMANN, 2016.
21 Co 1.30.
3É estranha a afirmaçao de McGrath, pois em sua Suma Teológica, S. Tomás cita o Concilio de Orange. Para detalhes, consultar, inter alia, DAVIES, 2014.
4Esta citaçao é extraída de uma coletânea de textos de Lutero traduzidos diretamente do alemao, publicada pela Comissao Interluterana de Literatura, entidade de açao conjunta das duas principais denominaçoes luteranas no Brasil, a saber, a Igreja Evangélica de Confissao Luterana no Brasil (IECLB), de origem alema, e a Igreja Evangélica Luterana no Brasil (IELB), de origem estadunidense.
5 Este texto é extraído de uma coletânea organizada e editada por James C. Galvin, de meditaçoes e prédicas do próprio Lutero, que fazem parte das famosas Tischreden, as "conversas ao redor da mesa", anotadas por seus alunos e amigos entre 1513 e 1546, o ano da morte do reformador.
6 Para um resumo da posiçao de Lutero sobre a soteriologia consultar, inter alia, WESTHELLE, 2008, p. 49-72.
7Uma palavra de esclarecimento quanto à compreensao de ex opere operato: a crença católica nao é que a salvaçao acontece automáticamente sem aceitaçao da parte do ser humano. Antes, quer dizer que a graça está disponível nos sacramentos, sendo que sua eficácia sempre depende, no entanto, da aceitaçao do ser humano (pela fé), sem a qual a salvaçao nao acontece.
8Para detalhes quanto ao Coloquio de Poissy consultar, inter alia, MANETSCH, 2000.
9A questao da NPP é contemporánea, e tem produzido discussöes candentes e acaloradas por entender a justificaçao de maneira bastante diferente das interpretaçôes clássicas a respeito, católica e protestante. Mas exatamente por isto, a NPP nao aprofunda a discussao a respeito, nem ajuda na perspectiva ecuménica. A questao, ainda em discussao, só é trazida por conta do fato que, tal como afirmado no corpo do texto, nenhuma exposiçao sobre a justificaçao hoje seria completa sem mencionar, mesmo minimamente, a NPP.
10 Do mesmo autor sobre o mesmo tema, 1997, p. 131-158. 2005, p. 29-33; 2013, p. 21-41. Paul and the Faithfulness of God. Minneapolis: Fortress Press, 2013. 2015. Quanto ao tema da justificaçao em perspectiva da teologia latino-americana consultar, inter alia, TAMEZ, 1991.
11 Para uma crítica evangélica conservadora à NPP consultar, inter alia, PIPER, 2007.
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Carlos Ribeiro Caldas Filho*
Artigo submetido em 25 de julho de 2016 e aprovado em 07 de novembro de 2016.
Este artigo é parte adaptada de capítulo de pesquisa de pós-doutorado realizada com apoio do PNPD-CAPES na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia em Belo Horizonte (MG), no período 2015-2016.
* Doutor em Ciéncias da Religiâo pela Universidade Metodista de Sao Paulo (2000). Bolsista PNPD-CAPES na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. País de Origem: Brasil. E-mail: [email protected]
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Copyright Pontificia Universidade Catolica de Minas Gera, Programa de Posgraduacao em Ciencias da Religiao Oct-Dec 2016
Abstract
As the fifth centenary of the Protestant Reformation of the 16th century approaches, it reminds us of the person and work of Martin Luther. Perhaps the main aspect of the reforming program of Luther has been his comprehension of the doctrine of justification by faith, understood as the foundation of the theology of the Reformation. However, since the end of the late 20th century this doctrine has been reframed, due the work of Biblical scholars, such as James Dunn and N. Thomas Wright, who identify themselves with the so called "New Perspective on Paul" (NPP). This essay intends to show, succinctly, the general contours of Luther's understanding of the subject, as well as the reaction of the Council of Trent of 1545, the Lutheran-Roman Catholic Joint Declaration on the Doctrine of Justification of 1999 and the recent debate on the NPP. In summary, regardless of any consideration of the merits the NPP, the text shall show the relevance of Luther's thought for today.
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